Jornal Evolução Notícias de Santa Catarina
Facebook Jornal Evolução       (47) 99660-9995       Whatsapp Jornal Evolução (47) 99660-9995       E-mail

Michell Foitte

michell_foittehotmail.com

Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta

CRP 12/07911


Veja mais colunas de Michell Foitte

Segunda pele

Terça, 24 de novembro de 2015

 

Retorno há 45 anos.

Poderia até pensar que foram muitas... Mas muitas estações idas...

Claro se me olhar atentamente irei ver a passagem do tempo estampado nas imperfeições do meu rosto. Sendo assim, trago nesse tempo, nesses sulcos corridos em face, as lembranças que jamais se deterioraram pelas ranhuras da vida... As lembranças daquela vestimenta espalhada sobre a cama dela.

Sei... À medida que envelhecemos somos como roupas colocadas em varal, quando em muitas ocasiões esquecem-se de nos recolher e ficamos lá, quase que crucificados, sendo sacudida pelo balançar do vento, destinados a própria sorte. Como uma roupa velha que é descartada por já ter servido demais.

Toda manhã, há 45 anos corridos em minhas lembranças, eu abria os olhos e percebia a claridade do dia pela fresta de uma cortina creme que escorria lisamente até quase encostar o chão. Ao olhar para o lado via minha irmã mais nova com seus cabelos amassados e de pijaminha, que dormia agarrada em um travesseiro fino. Estranha a sensação, pois, quando olho para minha irmã nos dias atuais, ainda posso vê-la como naquelas manhãs onde a luz entrava por um fino feixe que delineava a quarto e apenas os sonhos se acomodavam depositários como partículas de pó.

Passo após passo levantava e deixava o quarto, o feixe de luz encostava minha pele, minha pequenina irmã abraçada ao travesseiro, e, vagarosamente eu alcançava a maçaneta.

Não raramente dormíamos todos no mesmo quarto. Éramos pequenos e em um colchão de solteiro às vezes cabiam três. Ainda sou a mais velha de três irmãs e mesmo à época tinha uma cama só para mim, a parte de cima do beliche, que só foi comprado anos mais tarde.

Girava a maçaneta, abria a porta e espiava uma vez mais para trás, apenas certificando que não tinha acordado minha irmã.

Descalça e em silêncio ia até o último quarto do corredor, não sem antes escutar um ruído do assoalho estalando à medida que iam sendo apertados por meus pés. Assoalhos descolados que rangiam, mas, como eu sabia onde estava a maioria, acabava desviando como alguém que desvia de mina terrestre.

Chegava até a porta do quarto dela. A porta encontrava-se semi-aberta então bastava dar um empurrãozinho que ela se escancarava. E lá estava ela. Esticada na cama.

Corria todos os dias em sua direção e a abraçava. Podia sentir ainda o seu calor... Minha mãe já tinha saído para trabalhar como fazia todos os dias, como fez durante anos, mas, deixava sobre a cama a sua camisola e era nela que me agarrava e trazia para perto do meu nariz e assim conseguia sentir o cheiro dela, da minha mãe.

O cheiro dela jamais se foi. Ela partiu há dois anos. Se existe um peso da idade como habitualmente ouve-se dizer, disso eu pouco sei, porém, sei que o tempo tem um cheiro de lembrança que jamais se desfaz. Às vezes, quando acordo no meio da madrugada, ainda olho para o lado a procura da minha irmãzinha com seus cabelos amassados e o feixe de luz sobre nós. Quando dou por mim sei que é apenas um resquício de algo, mas o cheiro da minha mãe deixado em sua camisola ainda está em mim, como uma lembrança, como uma segunda pele.

 



Comente






Conteúdo relacionado





Inicial  |  Parceiros  |  Notícias  |  Colunistas  |  Sobre nós  |  Contato  | 

Contato
Fone: (47) 99660-9995
Celular / Whatsapp: (47) 99660-9995
E-mail: paskibagmail.com



© Copyright 2024 - Jornal Evolução Notícias de Santa Catarina
by SAMUCA