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Michell Foitte

michell_foittehotmail.com

Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta

CRP 12/07911


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Plumas do Paraíso

Quarta, 28 de outubro de 2015


Ela não sabia por onde começar. Os olhos baixos encontravam-se na incompreensão do passado e nas tragédias do futuro. Os dedos se apertando. O desconforto na poltrona. A cortina soprando uma leve brisa. “Não sei como ela pôde fazer isso comigo? Minha mãe...” – continuou falando com lágrimas que se agarravam aos cílios. “... minha mãe sabia de tudo e não fez nada...”

O tempo uterino da proteção nostálgica à ruptura das palavras, um silêncio. Era preciso silêncio para reorganizar aquilo que se desmancha através das lembranças. Dolorosas lembranças.

“Era ainda adolescente...” O vento mais uma vez deu sua golfada na cortina. “... e ela acreditou naquele homem”. Ao fechar os olhos, as lágrimas se desprenderam. Em seguida, as mãos borravam o lápis negro que delineava aqueles olhos perdidos na imensidão dos sentimentos.

Uma mão limpava a outra borrada pela tinta dos olhos. “Ele falou que iríamos ganhar dinheiro, muito dinheiro. E minha mãe acreditou ...”. “Entenda” – disse ela com olhares guachosos. “Eu não falei isso para ninguém... É difícil voltar às lembranças”. Ela sorriu por um instante por estar se achando patética, por estar chorando copiosamente. Inspirou profundamente, expirou aliviada. A retirada de um peso que outrora havia permanecido em seu corpo por muito, muito tempo mesmo.

“Ele fez a cabeça da minha mãe. As fotos seriam para alguma revista...” O sofrimento estampado, desnudando-se. “... mas foram poucas... Eu acho... Não me lembro bem. O pior foram os vídeos...”. Uma pausa generosa na fala. Nenhuma lágrima. Nem desespero. Apenas raiva. “... ele fez com que eu e meus irmãos transássemos e... Ele gravava tudo. Eu não podia ter feito aquilo, eu era mais velha do que os meus irmãos. Ele gravava tudo...” Os dedos sendo apertados novamente. Raiva. Apenas a raiva demonstrada contra seu próprio corpo. “Sinto-me suja. Meu corpo todo é sujo. E minha mãe... Até hoje não entendo porque ela fez aquilo comigo. Achava que tudo era uma brincadeira...” O olhar pro passado. “... mas só agora eu compreendo tudo”. O olhar para a imensidão trágica do futuro. “Há tempo que não sei de um dos meus irmãos. Quando teve a denúncia de abusos nós fomos parar em abrigos e de lá cada um foi para um canto. O sexo para mim é algo como prostituição. Tudo o que sinto quando faço sexo são somente lembranças... Não há prazer. Tudo era um grande engano, coação. Uma mentira. Infelicidade. Eu sei, tudo é uma lembrança dolorosa de um passado que aparece no presente, no sexo. Tudo é tão errado. Mas quem sabe daqui pra frente eu entenda que a felicidade não machuca, não é? E apesar do rancor que sinto pela minha mãe, no fundo eu amo ela, apenas o que fica é a incompreensão.”

As lágrimas secaram junto aos olhos manchados de dor. A brisa do vento leve adentrava a sala pela fresta da janela. A vida, apesar de ter suas fissuras que deixam rachaduras físicas, psicológicas, quando externalizadas, sentidas, torna essas lacunas menos extensas, menos inexplicáveis. 

 


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