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Michell Foitte

michell_foittehotmail.com

Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta

CRP 12/07911


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Bem

Segunda, 19 de outubro de 2015

 

Não existia uma palavra para aquilo que estava sentindo, porque a pergunta parecia enunciar algo que de repente ele não conseguia sustentar:

– Você está se sentindo bem?

“Bem” não era aquilo como uma sensação reconfortante. O “Bem” não era bem isso. Talvez “melhor”? Quem sabe ele estava se sentindo um pouco “melhor”. Mas nem o “melhor” era a melhor palavra para ser usada.

Difícil enunciar as pequenas coisas que para ele faziam estar “melhor”... O cheiro da grama que é molhada pelas chuvas da primavera que entram cada vez mais no verão. Como rir das risadas de alguém que ri por alguma coisa surpreendentemente tola. O rastro deixado pela combustão dos aviões riscando o céu. Era realmente difícil saber o que é estar “bem” ou “melhor” quando em questões de segundos tudo o que sentia se desfazia em algo fugaz.

Às vezes, à noite, quando acendia um cigarro e contemplava o doce calor amornado dos ventos primaveris se sentia bem. Quando se masturbava pensando no short rasgado e curtíssimo, que por segundos visualizou a dobrinha da nádega esquerda de uma de suas vizinhas há tanto tempo atrás, se sentia bem, mesmo pelo fato de não se lembrar do nome dela, apenas do short rasgado, sentia-se bem. Do silêncio das madrugadas. Dos besouros se debatendo nas lâmpadas dos postes. O bem mesmo não sendo a melhor das sensações... E então... Lembrava-se da pergunta: – Você está se sentindo bem?

Lembrava de todas as pessoas comendo suas comidas prontas descongeladas em microondas. Todas as pessoas com sobrepeso que encharcam as camisas com litros de suor enquanto se refrescam tomando milkshake. Do choro incontrolável das crianças por serem produtos de um mundo mimado em demasia. Da chuva que varre toda a fuligem escurecida dos freios dos automóveis para dentro de uma boca de lobo que mais à frente será engolida por um córrego que já estará cheio das imundices humanas. Do olhar desviante para o diferente. Todos como um modelo de um comercial da bondade e suavidade empacotada, todos como uma imaginação de um mundo não real.

Uma última tragada, a janela se fecha. Abre ao máximo a água do chuveiro que escorre por seu corpo. As lágrimas se misturam as espumas levada ao rosto. Os vapores confundem-se como nuvens e pensa onde estaria até o momento de se perguntar se tudo estaria bem? Nauseante a sensação de ser retirado por um minúsculo buraco sob toneladas de um mar com temperaturas baixíssimas, e depois ser exposto com carne de sol sob um sol escaldante.

Durante anos estivera congelado. Como um dinossauro que é descongelado em microondas. Tudo estava errado, confuso, estranho. As lágrimas eram apenas indícios da boca de lobo que vai engolindo tanta sujeira de tempo em tempo. Um desperdício da auto-satisfação que escorre pelo ralo do chuveiro enquanto pensa no short, nas nádegas. Um rasgo no tempo.

Depois das lágrimas, a mesma pergunta: – Você está bem?

Responde sem sustentar de fato aquilo que caberia como uma palavra qualquer: “Bem melhor”.



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