Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Terminal Central Cidade Florianópolis. É o término? — pensa. Depende.
As 22:00 as portas se abrem. Parcos passos, um a um sobem degraus. Corpos mirando os assentos, um licença, e se acomodam.
Segundos depois as portas se fecham. Sente-se o arranque inicial do motor.
Para alguns as vidraças como travesseiros sustentam cabeças que se recostam cansadas pelo peso das horas de um dia inteiro dedicado ao trabalho, aos estudos... É o sono dos justos sobre rodas.
É o término? — pensa. Sim para esses é o término do dia.
A pênsil Hercílio Luz, senhora menina dos olhos desse pedacinho insular agracia os transeuntes que, dia após dia, passam sob seu corpo majestoso.
Quantas águas passaram por debaixo dela? A ilha sem a ponte seria algo como uma mãe sem seu filho. — reflete. É como se essas duas viessem do mesmo ventre.
Enfim, a férrica vai ficando para trás, acenando de longe a sua grandiosidade.
As rodas continuam a girar como as grandes rodas do tempo. Uma parada mais ou menos na metade do caminho e para o grupo que adentra com certeza não é o terminal, mas, o inicial. Riem e saltam mais à frente, à guisa de celebrar os desejos da juventude.
A noite para eles é apenas o começo.
As portas se fecham outra vez. E o caminho é uma beira-mar anoitecida onde as águas da baia-norte lambem carinhosamente seus aterros.
Uma fina garoa bate no vidro lateral e no meio de tudo isso algumas nuvens se afastam e mostram estrelas brilhantes que parecem sorrir.
O caminho é uma praia. O caminho é um olá tímido que não quer sair para a moça sem nome. Sem nome? Sim, ele não sabe o nome dela. Eles nunca se apresentam, sequer trocaram um “olá”. Talvez olhares? Talvez... Apenas olhares... Apenas.
Ela que sempre se senta na companhia de algum livro ou revista e prende seu cabelo à coque rosquinha.
Ele imagina uma freada brusca, um gemido surdo das rodas e pneus onde ambos seriam lançados para o mesmo assento. Mas é apenas uma ideia absurda, e o máximo que chega a acontecer é uma suave frenagem no semáforo.
Ela é uma coquete! — diz para si. Mas que palavra estranha? Coquete... Ela é uma gata! — diz polindo seu vocabulário e ao olhar aqueles finos dedos compridos folhearem páginas. Dedos contornados pelo vernissage escarlate sobre o delineamento das unhas. E a sua pele terracota é da cor dos grãos de areia que formam o assoalho dos oceanos.
Quem sabe se ela fechar o livro e abrir os olhos e virar a cabeça lateralmente, pois, é onde ele está... Ali ô... Do lado esquerdo?
Algumas pessoas acordam de seus travesseiros vidraças.
Quem sabe tudo pudesse começar por um simples fechar de um livro, até a troca de um olhar, e depois um sorriso sem jeito, o sentar lado a lado, mais um olhar, e finalmente um beijo? Quem sabe? — pensa.
Mas é hora de saltar. E a palavra “parada solicitada” aparece iluminada rubra na lateral, concomitantemente ao apito para se estacionar.
As portas se abrem. Ele salta. As portas se fecham. Do lado de fora as vidraças separam os vestígios daquele amor sem nome. Separa um simples olá de um beijo.
E o mundo se despede sobre grandes rodas que giram, que giram, que...
Parcos passos, um a um descem degraus, inclusive os passos suaves da moça inominável. É o ponto final. As portas se fecham. E como um movimento circular o expresso 184 retorna ao ponto inicial: Ao Terminal.