Psicólogo Clínico Gestalt-terapeuta
CRP 12/07911
Arrastando pé após pé, caminha cabisbaixo tropeçando na própria sombra, olhos fixos, grandes olhos castanhos de jabuticaba, faroletes que iluminam os torpores da mente e de repente, vem à imagem de mais uma ocorrência para a sua coleção. Ele mesmo nunca soube quando começou com esse hábito de colecionar coisas. Talvez, se deva ao fato do longo tempo em que permaneceu ausente das pessoas, apenas com o próprio eco de sua voz na imensidão, numa época anterior aos canais de relacionamentos eletrônicos, ou, porque era um criador de esquisitices e precisava colher material para as suas invenções.
Ele guardou tudo em um lugar onde ele mesmo construiu para a sua coleção. Guardou separadamente por tamanho, forma, cheiro, gosto, palavra, som, etc.
Começou colecionando pensamentos. Pensamento após pensamento para não perdê-los quando viessem outros pensamentos. Depois os sons, variados sons em suas diferentes freqüências. Ele se lembra do som rufante do próprio coração e das vezes que acordou com a sensação de não conseguir ouvi-lo, daí surgiram às coleções de medos. Medo da ausência. Medo da morte. Mas afinal, o que era a morte? Foi então que colecionou os variados tipos de mortes. Morte da juventude, morte das estações, morte das flores, mas, para isso precisou colecionar as variadas formas de vidas. A vida após a infância, a vida que renasce quando as folhas se desprendem das árvores e dão lugar aos frutos. A vida após a morte.
Colecionou enormes rochas até os menores fragmentos de meteoritos, pedras porosas, pedras lisas. Colecionava também terremotos, maremotos, tsunamis, furacões, Katrinas, Catarinas, Saaras, Amazônias.
Mas afinal, depois de tantas coleções de coisas com nomes ainda inomináveis, veio a ele mais um pensamento. Pensou em guardá-lo na sua coleção como de costume, mas, era algo com tamanha força que doía-lhe a cabeça o simples fazer de conta que colecionaria uma nova categoria, a categoria do não pensar em pensamentos. Era tarde. Por mais que tentasse era algo muito maior do que as suas resistências. E foi então que começou a colecionar algo com um nome estranho, que ele primeiramente chamou de: amor. E por menor que fosse o amor ainda seria incapaz de guardá-lo em algo, era imensurável, sem medidas, muito mais valioso que a coleção de coisas guardadas durante anos.
O amor o fez entender que quando se há amor o amor se doa sem pedir licença. Mas para quem dar o amor? ― se perguntava.
Foi até a coleção das perguntas e resposta para ver se decifrava esse enigma, mas nada, absolutamente nada encontrou. Com uma sensação que jamais havia sentido, consumido por um sentimento de impotência, se enfureceu e abriu todas as suas coleções para que escapassem para longe dele.
Morria a flor, nascia o fruto, morria o fruto, brotava a semente. Os furacões arrastavam pequenos grãos das rochas para os oceanos, os sedimentos dos rios criaram as praias. Os minérios, as partículas celulares dos meteoritos criavam novas células e seres, criavam algo que mais tarde foi denominado planeta.
Anos depois, ele vem arrastando pé após pé, caminhando cabisbaixo tropeçando na própria sombra, desgostoso de ter perdido a sua coleção, arregala seus olhos de jabuticaba e uma coisa escorre por sua face, que ele chamou de lágrima, ao entender que as coisas se designam pela interferência do amor e não pela força de segurança. Ele viu em tudo o seu amor.
Dizem que o amor é tão grande quanto um grão de areia.