Dr. José Kormann (Histórias da História)
Historiador
Quando a mãe voltou, Eliana lhe disse:
- Mamãe, estou com a boca doída de tanto cumprimentar pessoas.
A mãe riu muito e lhe explicou que o cumprimento a todos é só em localidades pequenas e que nas cidades maiores só se cumprimentam os conhecidos.
Era essa a primeira vez que Eliana saía de casa para morar fora. Esse período de adaptação foi-lhe muito dolorido: saudades de casa, saudade de toda família que tão longe ficou, pouca liberdade na casa em que morava lá em Mafra, distância até a escola e muita dificuldade de entrosamento. Eliana era muito matuta em relação às demais meninas: o Colégio Santa Inês era, na época, exclusivamente feminino. Era uma escola para grã-finos, uma escola para elites e lá entre essa gente estava Eliana, a matutinha. Lá ela foi parar a conselho de família nobre de Craveiro, os Herbest, cujas filhas lá já estudavam.
Apesar de todas as dificuldades de adaptação Eliana conseguiu acompanhar bem todos os estudos. No final de ano ela passou em todas as disciplinas e só ficou em exame em Língua Portuguesa, por apenas dois décimos de pontos.
Nesta escola o rigor era grande. Uniforme diário de gola. Material diversificado e de qualidade. Muito luxo. Tudo eram regras, regras e mais regras. Verdadeira disciplina de exército. Para entrar na sala de aula havia necessidade de trocar de sapatos. Aprendia-se, mas só na base da cobrança, de muita exigência e bem pouca motivação. Na época mais se memorizava do que propriamente se aprendia. Professoras, a maioria, só freiras. Somente nas últimas séries havia algumas professoras civis. Eliana lembra-se de várias delas com carinho.
Na escola não havia cantina, mas diariamente vinha uma senhora que na hora do recreio vendia guloseimas diversas, que eram disputadas pelas meninas de famílias abastadas, enquanto Eliana encostada numa mureta, bem reservada, saboreava o pão caseiro com banana e doce de pêra. Ela não se lembra de nem um dia em que tenha comprado lanche. A vontade existia, mas a carência não o permitia.
Pagava-se mensalidade. O material escolar era todo ele comprado. Uniforme escolar era obrigatório, mas os alunos não o recebiam. Merenda escolar não existia. E hoje...?!
Com o passar dos anos, conseguiu, finalmente, se entrosar e participar de um pequeno grupo de meninas mais humildes que a maioria. A solidão já não era tanta. Foi nesta época que, por determinação da direção da escola, cada aluna devia levar para a escola uma lata de cera Poliflor para lustrar o piso. Papai e mamãe honravam com todos os compromissos, mas nunca deixavam recursos extras - e assim Eliana não tinha como comprar a tal lata de cera que seria o passaporte para a sala de aula num determinado dia. Resultado: sem a cera, ela foi impedida de entrar na sala. Foi a única que passou por esta humilhação. Resultado, perdeu a prova e, como castigo, teve de pagar com um maçante trabalho extra-escolar.
Mas se pode dizer que lá Eliana não aprendeu. Foi com muita dificuldade e com pouca psicologia, mas aprendeu bem. Não reprovou nenhuma vez e assim em 1971 ela concluiu a oitava série.