Coletânea reúne textos em prosa e verso de treze autores são-bentenses
Intitulado “Vida, Motivos: Degraus”, o livro organizado pela União São-Bentense de Escritores (Usbe) será lançado hoje, sexta-feira, na Câmara de Vereadores, às 19:30. Na mesma oportunidade acontece o workshop com o tema “A escrita literária: caminhos, sonhos”, ministrado pelo escritor Rubens da Cunha. A participação é gratuita. O livro tem predomínio de textos em prosa, mas também faz algumas incursões pela poesia. A escadaria da Igreja Matriz - sua presença diária na vida da cidade - serviu de inspiração ao grupo de autores. A obra resulta de um projeto apresentado pela Usbe ao Simdec (Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura).
No ano passado, os escritores e poetas participaram ao longo de três meses de uma oficina literária com Rubens da Cunha. Cronista, poeta, escritor e mestre em Literatura, Rubens ministrou aulas teóricas e coordenou a produção textual dos participantes. “O que chega aos leitores é fruto do trabalho de treze pessoas que se retiraram de suas atividades práticas, profissionais e afetivas durante vários sábados para construir textos nos quais expõem seus olhares sobre São Bento do Sul”, conta Rubens.
Com 152 páginas, capa de Elvis Pauli, apresentação de Donald Malschitzky e revisão de Luciane Horcel, o livro traz vinte e cinco textos, divididos em duas partes: “Pessoas” e “Vozes”. Na opinião de Rubens, diferente da maioria das antologias, “Vida, Motivos: Degraus” apresenta textos que se relacionam entre si. “É um painel em que cada autor escreveu um fragmento, expôs um ângulo, iluminou um escuro”, define.
A publicação é da Editora Nova Letra, de Blumenau, e contou com apoio de empresas locais, entre elas a Buddmeyer, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. “Foi uma experiência interessante, porque normalmente o trabalho do escritor é muito solitário e, dessa vez, como integrávamos um grupo, essa produção foi coletiva, compartilhada”, descreve o presidente da Usbe, Milton Hurpia da Rocha. Ele destacou a colaboração da Gered (Gerência Regional de Educação), que cedeu local e infraestrutura para a realização da oficina.
O preço de lançamento do livro é de R$ 10,00. “Com os recursos arrecadados, vamos investir em novos projetos da Usbe”, conta Milton. Os autores são: Ana Nely Karasisnki Ostetto, Camila de Souza, Cristiane Costa, Gilmar Voltolini, Kamilla Schapievski, Luciana Pilz Berkenbrock, Marcelo Augustin, Mariano Soltys, Marília Crispi de Moraes, Marlize Beatriz Conte, Maurélio Machado, Renata Pscheidt Becker e o próprio presidente Milton Hurpia da Rocha.
“SOBRE COLEÇÕES E POSTAIS” (Por Camila de Souza)
Sorriso é cartão-postal de gente. A escadaria da igreja é o postal da cidade. Diariamente, durante cinquenta ou cinquenta e cinco anos, sorrisos e degraus se encontram no mesmo lugar mais fotografado por seus turistas e habitantes. Esses que podem ter oito, cinquenta ou oitenta e cinco anos, percorrem os painéis cerâmicos da via sacra com a certeza da purificação. Os sorrisos da escadaria colecionam certezas. Seja de salvação, prosperidade ou predestinação. E, no entanto, tropeçam pelos degraus. É que tantas certezas cegam-nos, sussurrou o guardião colecionador de segredos. Resolveu contar-me parte da sua coleção. Ouvi.
Descobriu que Dona Solange colecionava rancor e que a fotógrafa não colecionava foto coisa nenhuma, eram de namorados de diversos ângulos, luzes e contrastes que ela gostava. Aproveitou para revelar que Zuera colecionava fígados, saudosismo e solidão. Mas do postal de gente ele entendia, completa o guardião, e some. Voltou ao trabalho.
Para saber sobre a coleção de Dona Frida, não precisei de segredo algum. Muito pelo contrário. Dona Frida colecionava vidas e cuidava delas muito bem. A Helena, moça do vestido decotado, foi quem me contou. Aproveitou e contou-me também que a cidade coleciona abraços e que aquela mulher, observadora de tudo do nonagésimo degrau, recebeu um de presente. Ouvi atentamente e despedi-me. Não quero virar um noticiário ambulante, para isso tem Dona Frida. Minha coleção é outra e a escadaria quer contar-me a sua.
Durante décadas, ela eleva gente até o altar-mor. Passe solstício ou equinócio. Resiste firmemente às estações. Fez aliança com o firmamento. Pediu para que eu me sentasse logo ali, no nonagésimo, porque é dali que se observa melhor o movimento.
Cada segundo entre um passo e outro é guardado e sacramentado pela escadaria, que é para não se perder através dos anos, disse-me, apreensiva. Enquanto falo sobre a minha coleção de postais, o postal da cidade vai colecionando tempo.