Promotoria de Justiça entrou com Ação Civil Pública por conta da situação do atendimento aos casos de urgência e emergência
São Bento - O Ministério Público de Santa Catarina (MP/SC), através do promotor Max Zuffo, da comarca de São Bento do Sul, instaurou Inquérito Civil contra o Hospital e Maternidade Sagrada Família e contra o Município no dia 7, terça-feira. O próprio hospital admitiu, segundo o Inquérito, que seria impossível manter médicos suficientes para prestar o serviço de urgências/emergências 24 horas por dia. "O hospital (...) informou (...) que não possui médicos contratados, que os médicos (...) são profissionais e plantonistas autônomos que ingressam no hospital através do seu Corpo Clínico, sendo que apenas alguns destes médicos se dispõem a atuar no serviço de atendimento de urgência e emergência", relata o promotor. Diante das provas colhidas pelo Inquérito, o MP/SC entrou com Ação Civil Pública na noite do dia 10, sexta-feira.
Consta que nas noites dos dias 10 e 11 de novembro (dias de semana, quarta e quinta) - e mesmo no sábado 11 de dezembro -, o hospital orientou ao Samu, à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros que, "em caso de necessidade de atendimento médico", que procurassem outro hospital. No último final de semana, conforme os autos do Inquérito Civil, os médicos autônomos que trabalham no hospital não se dispuseram a prestar os serviços de urgência e emergência em regime de plantão ou de sobreaviso. De acordo com o promotor, houve inclusive a possibilidade de todos os médicos suspenderem as atividades.
SEM ALTERNATIVA
Dessa maneira, sustentou Max Zuffo, "não restou outra alternativa ao Ministério Público senão exigir judicialmente do hospital e do Município o cumprimento da legislação". Ao fazer o pedido de antecipação de tutela ao juiz Cesar Tesseroli, o promotor lembrou que tal situação "viola o direito dos cidadãos de São Bento do Sul". Em sua solicitação, Max Zuffo pede que o hospital contrate profissionais "imediatamente". Ao Município de São Bento do Sul - leia-se prefeitura -, o Ministério Público fixou a "obrigação de prestar (...) serviços médicos de atendimento pré-hospitalar fixo (médicos de plantão) e pré-hospitalar móvel (Samu, por exemplo) de urgência e emergência". A multa pedida inicialmente, em caso de descumprimento, foi de R$ 50 mil diários para ambos. Em seu gabinete, na tarde de segunda-feira, Max Zuffo comentou que, se for comprovada a omissão de socorro, por exemplo, os gestores da Saúde de São Bento do Sul podem ser indiciados criminalmente e inclusive ser presos.
Em sua decisão, o juiz Cesar Tesseroli lembrou que cabe ao Município "gerir as ações relacionadas ao SUS, entre as quais a prestação de serviços de urgência e emergência", destacando que tais serviços, por força de convênio, são prestados pelo próprio hospital. O juiz lembrou, também, que determinado argumento do hospital ("que faltam profissionais no mercado") foi desmentido por três médicos - eles afirmaram que a insuficiência de profissionais ocorre porque "os valores dos honorários aqui oferecidos são menores do que os oferecidos nas cidades e hospitais da região". Os próprios médicos, Ricardo Bonetti, Edimburgo Moura e Diana Catarina Gorlach, estão se recusando a prestar os serviços.
ESCALA DEFICITÁRIA
"Está claro que, por uma mera e simples questão financeira (...), a escala de plantão do hospital está deficitária e, com isso, há prejuízos aos atendimentos emergenciais e urgentes", frisou o juiz. "O Município está ferindo suas obrigações constitucionais e legais, deixando de dar a assistência médica mínima e adequada à sua população - e o hospital também não está observando as normas que permitem o seu funcionamento", completou. "O Município de São Bento do Sul, com sua atitude, está transferindo a outros municípios um problema que é seu". Cesar Tesseroli ainda destacou que uma eventual suspensão das atividades do hospital (uma alternativa levantada pelo MP/SC) "não é, por ora, a melhor medida, pois apenas traria mais transtornos e inconvenientes à população local, que, já tendo pouco, ficaria sem nada".
Assim sendo, o juiz deferiu o pedido, determinando à Sociedade Mãe da Divina Providência/Hospital e Maternidade Sagrada Família que contrate, "imediatamente", um número suficiente de profissionais para cumprimento da legislação. O juiz também deferiu o pedido ao Município, determinando que preste os serviços de atendimento pré-hospitalar fixo e pré-hospitalar móvel de urgência e emergência. A multa solicitada pelo MP/SC, porém, que era de R$ 50 mil para cada órgão, foi estipulada em R$ 30 mil diários pelo juiz.
315 ATENDIMENTOS EM 48 HORAS
A diretora administrativa do hospital, Zélia Ignaczuk Zeitamer, disse que "não foi deixado de atender nenhum paciente com risco de vida no hospital" no último final de semana. Segundo ela, foram 315 atendimentos em 48 horas - média de um atendimento a cada seis minutos. Conforme a diretora, "há mais de trinta dias estão sendo feitos contatos com faculdades que têm residências médicas, convidando profissionais para atuar em São Bento do Sul". As dificuldades expostas pelos profissionais, conforme Zélia, são, por exemplo, os riscos de deslocamento até São Bento do Sul e a falta de opções de lazer no município.
"Existe a preocupação com a sobrecarga de serviço e atendimento caso a prefeitura venha a manter o fechamento dos Postos de Saúde durante o período de férias". Ela também disse, referindo-se a um acidente de trânsito com vítimas ocorrido no último final de semana, que as mesmas, que necessitavam de atendimentos cirúrgicos, foram atendidas "por todos os profissionais" necessários. "Até o soro já estava colocado no suporte quando a viatura do Samu chegou", detalhou.
Já a diretora técnica Adriana Lisboa enalteceu "a atitude" do promotor de Justiça. "A forma como estão ocorrendo os atendimentos nos Postos de Saúde - que acabam sobrecarregando o Pronto Socorro do hospital - não é maneira de se fazer Medicina". Adriana cita um exemplo bastante didático para explicar: "Se você tem um furúnculo na bunda, vai ao Posto de Saúde e é atendido; se você não resolve o problema e fica com o problema durante três ou quatro dias, acaba indo procurar o hospital mesmo!". De sexta-feira a domingo, diz ela, "todos os pacientes atendidos foram avaliados por enfermeiros de nível superior", cujos trabalhos foram acompanhados por ela própria.
COMPARAÇÃO
A prefeitura, através da sua Assessoria de Imprensa, porém, emitiu uma "Nota Oficial" na tarde de segunda-feira, "esclarecendo sobre a paralisação no atendimento de Urgência e Emergência do Hospital e Maternidade Sagrada Família, que ocorreu na última sexta-feira, 10, e sábado, 11". A prefeitura argumenta que a "gestão dos serviços é de responsabilidade do hospital (...) e a transferência financeira é função da Secretaria Municipal de Saúde, a qual (...) está regularmente em dia". Continua o comunicado: "Uma das alegações para a paralisação do atendimento seria o baixo valor repassado pela hora/plantão, porém, através de levantamento realizado pelo setor de controle e avaliação da Secretaria Municipal de Saúde, os valores pagos ao plantão de urgência e emergência aos profissionais médicos são semelhantes à média da região".
"A título de comparação", prossegue a Assessoria de Imprensa, "o município de Jaraguá do Sul tem convênio com o hospital e faz repasse de pacote fechado, não pagando plantão. Já Rio Negrinho paga R$ 45,00 pela hora/plantão, mais a produção médica. Em Mafra são pagos R$ 50,00 pela hora/plantão, sem pagamento de produção. Em Joinville, são pagos R$ 45,00 mais a produção; e em Campo Alegre, a hora/plantão diurna de 12 horas é de R$ 465,49, mais produção, e a noturna de 12 horas R$ 581,88, mais a produção. Em São Bento do Sul, é pago atualmente o valor de R$ 45,00, mais a produção médica, aos plantonistas". O valor, porém, acabou sendo modificado - leia mais adiante.
A nota ainda afirma: "Além disso, para resolver o aumento do fluxo de consultas no Pronto Socorro do hospital, que está ocorrendo nos últimos dias, a Secretaria Municipal de Saúde tomou medidas como o aumento de consultas eletivas nas Unidades de Saúde Primária e Estratégia de Saúde da Família. Para o período de férias também ficará em funcionamento a Unidade Sanitária Central, com médicos clínico geral, pediatra e serviço de enfermagem no horário das 7:00 às 19:00 nos dias 23, 27, 28, 29 e 30 de dezembro e de 3 a 24 de janeiro de 2011". Médicos que atendem em Postos de Saúde serão convocados para atuar no próprio hospital durante este período.
SEM CONSULTA AO PREFEITO
No final da tarde/início da noite de quarta-feira, o secretário de Saúde de São Bento do Sul, Marcus Maluf, esteve na Redação do Evolução - logo depois de retornar de Brasília. "Fiquei sabendo desta medida (Ação Civil Pública) no sábado", contou. "Foi uma surpresa para nós". Segundo Maluf, "há algum tempo" a secretaria estava conversando com a diretoria do hospital para tratar do assunto. "De imediato, tivemos que tomar algumas atitudes. Não deu nem tempo de consultar o prefeito", explica.
A Secretaria de Saúde, explica o titular da pasta, faz um repasse mensal ao Sagrada Família, "para a manutenção da urgência/emergência, do sobreaviso e da UTI". Conforme ele, "a gestão desse dinheiro é exclusivamente do hospital, até por uma resolução do Conselho Federal de Medicina".
Depois que soube da Ação Civil Pública, Maluf entrou em contato com o secretário de Finanças, Célio Silva, informando que aumentaria o valor/hora para os plantonistas - que passou para R$ 55,00, mesmo sem um estudo orçamentário mais aprofundado. "A coisa que eu mais quero é reforçar a rede básica", comentou, ou seja, os Postos de Saúde e os PSFs. "Para mudar essa questão cultural" que faz com que os pacientes procurem o hospital em qualquer situação, ainda que não sejam casos mais graves, congestionando o atendimento no Sagrada Família.
Alguns médicos já afirmaram à Reportagem do Evolução que "não existe diálogo" com o secretário de Saúde de São Bento do Sul. "Pelo contrário!", respondeu Maluf. "A primeira coisa que fiz, quando assumi, foi chamar a diretoria do hospital para conversar". O secretário afirma que chamou "todos os médicos" para uma reunião no Centro de Vigilância à Saúde (CVS). "Nunca deixei de atender ninguém", afirma. "Até por eu ser da própria classe".
REUNIÃO NESTA QUINTA-FEIRA
Na tarde de quinta-feira, dia 16, representantes da Secretaria de Saúde, do hospital e do Ministério Público estiveram reunidos. Após quase duas horas de reunião, chegou-se à definição que será, de fato, pago um valor diferenciado aos médicos neste final de ano, com o objetivo de atrair profissionais interessados em dar plantões durante o período. Além disso, serão atendidos no hospital apenas os casos de urgência e emergência, porém todos os pacientes passarão por um acolhimento, seguindo determinadas normas - os que não se enquadrarem no atendimento serão encaminhados ao posto de Saúde Central. Para o secretário de Saúde, a medida deverá "solucionar temporariamente o problema" de atendimento no hospital nos casos de urgência e emergência, mas medidas de médio e longo prazos também precisam ser adotadas.
A Irmã Beatriz Zanatta, diretora do hospital, falou sobre a dificuldade em conseguir médicos que queiram fazer o plantão médico no município. "Somente neste ano perdemos cinco médicos plantonistas", observou ela, dizendo que a diretoria do hospital "está constantemente em contato com profissionais, mas que há dificuldades em encontrar médicos interessados em atuar em São Bento do Sul". Participaram da reunião, também, o procurador do Município, César Godoy, o promotor Max Zuffo e os empresários Evandro Müller de Castro e Otair Becker, membros do conselho consultivo do hospital - além de médicos e equipe técnica da secretaria de Saúde e do hospital.
Nesta semana, a procuradoria da prefeitura entrou com pedido de suspensão da liminar no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ/SC). Na tarde desta sexta-feira, porém, o promotor Max Zuffo informou ao Evolução que o pedido de suspensão foi indeferido pelo TJ/SC. Ou seja, as medidas da Ação Civil Pública continuam tendo validade.