Valeu - e muito! - rever e conversar com todas aquelas que, quando não eram "velas", eram companhias sempre agradáveis
- - Por Pedro Skiba - -
Porto União da Vitória (SC/PR) - Dizem que siameses são os que nascem interligados por algum órgão. Gêmeas(os) nascem da mesma mãe e de um mesmo parto. Irmãos podem ser do mesmo sangue ou por afinidade. Amizade, entrelaçamento, estima, adversidades, mas com respeito e estima, se conquista. Desde que me banhei e bebi das águas do Iguaçu, e nas quais inclusive fui flagelado sem sentir rancor, mas agradecido por ter aprendido a viver com as adversidades, respeitar a natureza e até brincar nos alagados, guardando vivas na memória cenas inusitadas de nadar e flutuar sobre pranchões, empurrado para varejões improvisados, me deu gosto por estas cidades. De todas as manhãs ir até a beira do alagado e fincar uma varinha para marcar onde a água tinha chegado e conferir no final na tarde se havia subido ou descido. De ver o antigo campo do São Bernardo, palco de históricos confrontos com o Ferroviário, o Avaí, o União e outros adversários, totalmente alagado e sobre os gramados inundados deslizávamos de bote e invadíamos as goleiras, gritando "goooool".
Ainda ouço indelével em minha memória e tenho vaga lembrança da imagem querida e saudosa de meu pai, a qualquer falta no meio do campo jogando o chapéu para o ar e gritando "pênaltiiiiiiii". Foi no bote (canoa) que tinha pintado na proa "Nhô migué", referência ao nome como era conhecido no bairro que pilotei pelas águas esparramadas do Iguaçu. Aí vocês poderão contestar o porquê de todo este preâmbulo. Explico. Cresci às beiras do Iguaçu. Foi ali em União da Vitória que passei minha infância, que aprontei minhas travessuras e onde conquistei amizades e das quais jamais me esqueci. Foi ali também que arrisquei os primeiros olhares ainda tímidos e com o rosto ruborizado para a Zuleika, eu com 15 e ela com 13 anos, haja precocidade - que conheci em uma sessão de cinema no Cine Odeon.
O RIGOR DA EDUCAÇÃO
Foi ali que descobri, no alto do morro, o Colégio Santos Anjos, que abrigava as colegiais e depois normalistas orientadas pelas freiras Servas do Espírito Santo. Com todo o rigor da educação e dos princípios, nada passava despercebido e também nada que ultrapassasse um simples olhar. Não existia celular, nem torpedo. Apenas nas festas de igreja se enviava telegramas, aqueles recadinhos escritos. Foi ali que, de lambreta, com o escapamento aberto, desfilava pela frente do colégio para um simples olhar furtivo através da janela e que era um bálsamo para todos os dias. Foi ali que conheci toda a turma que começou e terminou junto sua primeira formação.
Volto às cidades irmãs, e não gêmeas, pois as idades são diferentes, e vou para acompanhar a minha Zuleika num encontro de formandas de 1964, quarenta e seis anos depois de deixarem os uniformes e a tutela das irmãs do Colégio Santos Anjos, celeiro de uma casta de professoras e pessoas de boa formação. Odilon Muncinelli e eu somos os únicos benditos frutos entre as mulheres. Valeu - e muito! - rever e conversar com todas aquelas que, quando não eram "velas", eram companhias sempre agradáveis.
Foi esta a razão que me levou de volta, no sábado, para rever, participar e conversar com aquelas que comemoraram 46 anos de formatura. Foi ali também na Igreja Matriz Nossa Senhora das Vitórias que a Zuleika me aceitou, e a poucos metros, na Maternidade Mater Puríssima, nasceu nosso primeiro filho, Rodrigo. Portanto, as saudades e as recordações são muitas e só é feliz quem tem algo bom para recordar. Faço uma ressalva e me penitencio: em matéria na edição anterior esqueci de fazer referência à irmã Reginfrida, que está com 99 anos de idade.
UMA NOITE DE MUITA CULTURA
Logo mais à noite, nova surpresa, pois quando cheguei em União da Vitória já fui abordado pelo "Rei da Agulha", alfaiate de mãos de ouro, que se transformaram também em hábeis suportes para os pincéis e espátulas de um dos artistas plásticos dos mais competentes. Renato Ruschel - que confeccionava os smokings para as festas de Gala e que inclusive apresentou seus trajes no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro - foi alvo de matéria no Evolução (07/07/2002) e é referência na biografia como pesquisa pelo autor professor Elói Tonon. Orgulhoso, me entregou o convite para o lançamento do livro "A Saga da Família Ruschel" e me intimou para o lançamento. Uma obra que é uma verdadeira enciclopédia que fez o autor rebuscar na História fatos até então desconhecidos da população de Porto União. O primeiro banco e seu primeiro gerente. Que foram os alemães, e não os italianos, que introduziram as plantações de uvas e fabricação de vinho no Rio Grande do Sul, nos idos de 1824. Também da primeira cervejaria, que pertenceu aos Ruschel no Rio Grande do Sul - e depois se transformou na Artarctica.
OBRA DE QUILATE
De Alberto Ruschel, músico, ator e produtor de mais de vinte filmes nacionais, inclusive "O Cangaceiro", trabalhando com Grande Otelo, Oscarito e Eliana Macedo. Da arte que continua correndo nas veias das gerações com a filha artesã Beatriz e agora com a neta Caroline, uma das mais novas integrantes do balé Bolshoi, em Joinville. Lá fui eu, orgulhosamente saudado pela presidente da Alvi - Academia de Letras do Vale do Iguaçú, Terezinha Leoni Wolff, que agradeceu pela presença e prestigiamento - desnecessários, pois orgulhosamente faço parte da mesma. Uma Sessão Solene para enriquecer culturalmente.
Professor Elói Tonon lançou também "Os Monges do Contestado", outra obra de quilate que mostra mais um lado da História do Contestado, muito bem prefaciada pelo doutor em História, professor André Bueno. A Alvi também lançou na oportunidade a terceira edição de sua revista com artigos dos acadêmicos. Foi a última Sessão Solene presidida por Terezinha Leoni Wolff, uma abnegada que respira e se alimenta de cultura - que em março entrega a presidência, depois de duas gestões, para o acadêmico Alvino Bertoluce.
CINQUENTA ANOS CONSTRUÍDOS DE 90 MINUTOS
oi ali também que, com 14 anos, comecei a acompanhar e ouvir falar do "Jogo do Ano". Quando era adolescente - imaginem, há 51 anos! - não dava muita importância para estes fatos. Viajem no tempo e acompanhem minha história. Quatro de dezembro de 2010. Como a noite é uma criança e sempre afirmo que funciona como filtro, onde só os bons permanecem, prossegui minha peregrinação em mais um compromisso. Flagrado por outro grupo de amigos, lá foi o arroz de festa. Agora já do lado de Santa Catarina, em Porto União, mais precisamente na sede da AABB, mas também nas margens do majestoso Iguaçu. Novamente você se perguntará: o que tem a ver o título da matéria com todo este intróito?
Como se constroem 50 anos em 90 minutos? Simples: todo jogo tem seus preparativos, suas regras, seu tempo de duração, treinamento, escalação, sorteio, aquecimento e muito gelol, principalmente quando os atletas não são mais aqueles jovenzinhos convocados para o Sub-17. Ressalto que, embora nesta condição, conheci muitos deles no auge da carreira, desfilando garbosamente pelos estádios do União, do Ferroviário, do São Bernardo, do Municipal - e no campo do São José, no qual Frei Libório, meu patrono na Alvi, e o padre João comandavam o time do Onze Irmãos, principais rivais do Catarinense e do Tamandaré, do qual fui o ponta direita.
Quanta lembrança do Jonas, dos saudosos Godinho, Edézio ("Lambreta"), com certeza dando drible da vaca no "Capeta". Meu querido amigo Sérgio Ney, morando em Cascavel/PR, goleiro que hoje teria lugar em qualquer grande equipe brasileira, juntamente com o Bortolotti, Joãozinho e seus dribles desconcertantes, Astolfito, compadre Emílio, os irmãos Farah - nada encrenqueiros, Nelson Straube (48 jogos), Mário Emílio e Gustavo Schwartz, entre tantos outros que desfilaram pelos gramados - mais amigos do que atletas. Muita gente boa - e principalmente Régis Calliari, o único a participar de todos os jogos e que no sábado completou 51 anos participando do Jogo do Ano. Um recorde e uma proeza dignos de constar do Guinness.
PARA OS BRAÇOS DOS AMIGOS
Claro que não joguei nem assisti o jogo, mas fui mais uma vez privilegiado por participar da confraternização, em jantar que reuniu os "atletas" e convidados, que há muitos anos vêm de Curitiba para fortalecer as equipes e reviver as glórias do passado. Momentos de nostalgia, lembranças e reverência aos que estão hoje brincando em outros gramados.
Na edição 2010, uma grande surpresa: um daqueles que há mais de 20 anos estava ausente e sem dar notícias - e pelo qual muitas preces já haviam sido feitas - ressurgiu. O goleiro Jura, de gloriosas participações no esporte local, veio de Rondônia e levou como lembrança uma bola autografada por todos; até eu assinei. Também como convidado, fui contemplado como uma medalha que só pode ser atribuída à grandeza do coração destes amigos e atletas do passado que cultivam o presente e dão um drible no futuro.
Valeram os momentos de reencontro, o enriquecimento cultural, os aplausos para os sempre atletas e principalmente por continuarem driblando a vida, fazendo gols - mesmo que impedidos -, mas correndo sempre para os abraços dos amigos. Que esta turma perdure e em 10 de dezembro de 2011, como diria o saudoso Fiori Giglioti, na Rádio Bandeirantes, "abram-se as cortinas e comece um novo espetáculo".