Ministério Público, através do promotor de Justiça Jônathan Winter propôs ação por Improbidade Administrativa contra o ex-prefeito Fernando Tureck e seus auxiliares Roberto Albuquerque, Rafael Muelbhauer e Jota Pierim, e Aurimar Roepke, Edeltraud Jung, Lúcia Gorniack e Associação de Turismo Rural Estrada Imperial Dona Francisca para ressarcirem ao cofres públicos em cerca de R$95.000,00.
A ação os responsabiliza por atos praticados na realização da Expoama de 2013. Cabe recurso.
fls. 1469
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 1a VARA DA
COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL/SC
SIG n. 06.2015.00007229-7
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA
CATARINA, por seu Promotor de Justiça signatário, no
no uso de suas atribuições institucionais, com
fundamento nos art. 129, inciso III, e art. 144, ambos da
Constituição Federal, arts. 1o, inciso IV, e 12, caput,
ambos da Lei n. 7.347/85, e ainda no artigo 25, inciso IV,
alínea "a", da Lei n. 8.625/93, vem à presença de Vossa
Excelência propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
FERNANDO TURECK, casado, médico, ex-prefeito
municipal, inscrito no CPF sob o n. 033.667.519-40,
portador da identidade n. 2.923.561, com endereço na
Rua Augusto Klimmek, n. 264, bairro Centro, São Bento
do Sul/SC, CEP 89.280-349,
ROBERTO SCHWEITZER DE ALBUQUERQUE, casado,
engenheiro, inscrito no CPF sob o n. 692.417.919-34,
portador da identidade n. 2.016.224, com endereço na
Rua Selma Teixeira Graboski, n. 172, Rio Negrinho/SC,
CEP 89295-000
RAFAEL MUEHLBAUER, casado, servidor público
28
fls. 1470
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municipal, inscrito no CPF sob o n. 004.993.939-45,
portador da identidade n. 2.924.283, com endereço na
Rua Olímpio Vidal Teixeira, n. 89, bairro Progresso, São
Bento do Sul/SC, CEP 89.281-015,
JOCELITO PIERIN, solteiro, servidor público municipal,
portador da identidade n. 5.835.526/PR, com endereço na
Rua Prof. Antônio Chimeli, n. 57, casa, bairro Rio Negro,
São Bento do Sul/SC, CEP 89.281-100,
AURIENE ROEPKE, solteira, economista, portadora de
identidade n. 2.920.638, com endereço na Rua Cel. Bento
de Amorim, n. 373, bairro Centro, Campo Alegre/SC, CEP
89294-000,
EDELTRAUD RUTZEN JUNG, casada, padeira, inscrita
no CPF sob o n. 690.233.799-34, portadora da identidade
n. 2.371.227, com endereço na Estrada Rio Represo, n.
605, bairro Dona Francisca, São Bento do Sul/SC, CEP
89284460,
LÚCIA GORNIAK, convivente, do lar, inscrita no CPF sob
o n. 040.121.029-40, portadora da identidade n.
4.593.165, com endereço na Rua Augusto Wunderwald,
n. 4455, bairro Brasília, São Bento do Sul/SC,
ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL ESTRADA
IMPERIAL DONA FRANCISCA, inscrita no CNPJ sob o
n. 07.119.055/0001-64, com endereço na Rua Alfredo
Rank, n. 885, bairro Dona Francisca, São Bento do
Sul/SC, CEP 89.284-470,
28
fls. 1471
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
I – DOS FATOS
Tramitou na 2a Promotoria de Justiça de São Bento do Sul o
Inquérito Civil n. 06.2015.00007229-7, em anexo, cuja finalidade foi a de
apurar possíveis irregularidades na utilização dos recursos públicos
concedidos à EXPOAMA 2013.
Ao final das investigações, restou evidenciado que o então
prefeito municipal FERNANDO TURECK juntamente com os servidores
municipais ROBERTO SCHWEITZER DE ALBUQUERQUE, RAFAEL
MUEHLBAUER, JOCELITO PIERIN e AURIENE ROEPKE com a colaboração
da ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA
FRANCISCA, mediante sua presidente EDELTRAUD RUTZEN JUNG e
tesoureira LÚCIA GORNIAK, praticaram ato de improbidade administrativa que
causou prejuízo ao erário, bem como atentou contra os princípios da
administração pública, conforme se demonstrará.
Extrai-se dos autos que visando burlar as regras de direito
administrativo relativas à contratação de bens e serviços, ROBERTO
SCHWEITZER DE ALBUQUERQUE, RAFAEL MUEHLBAUER e JOCELITO
PIERIN, em nome do Município de São Bento do Sul, procuraram a
ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA
FRANCISCA propondo um acordo para utilização do nome da entidade e
documentação respectiva para a realização da 20a Edição da EXPOAMA, no
ano de 2013, ficando à cargo da própria Prefeitura Municipal toda organização
do evento, contratações e responsabilidade financeira.
Conforme registrado em ata da ASSOCIAÇÃO DE TURISMO
1 RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA (fls. 12-13 ), referente à
reunião realizada em 6 de agosto de 2013, ficou acordado que a entidade
apenas emprestaria o nome e CNPJ para a documentação e a Prefeitura
organizaria o evento, assumindo toda e qualquer responsabilidade oriunda da
1 Toda a numeração citada nesta inicial refere-se àquela originalmente aposta de forma digital no Inquérito Civil.
28
fls. 1472
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
festa. Em contrapartida, acordou-se que a Associação ficaria com 30% do lucro
decorrente da venda de bebidas e teria direito à espaço livre para a venda de
artesanato e comercialização de café colonial.
De forma a executar o acordado, a presidente da Associação
demandada, EDELTRAUD RUTZEN JUNG, assinou pedido de concessão de
recursos financeiros, previamente elaborado por servidores do Departamento
de Turismo e Secretaria de Agricultura, vinculados aos demandados
ROBERTO SCHWEITZER DE ALBUQUERQUE, JOCELITO PIERIN e
RAFAEL MUEHLBAUER (fls. 6-55). Referido documento foi protocolado na
Prefeitura Municipal em 21/08/2013, por volta das 16 horas.
No dia 22 de agosto, a então Diretora de Controle Interno
Auriene Roepke assinou a nota de conferência para "habilitação de entidade
para concessão de subvenção social, contribuição e firmar convênio com o
Município " (ANEXO I do Decreto Municipal n. 034, de 25/01/2013) (fls. 56/57),
bem como emitiu parecer pelo Departamento de Controle Interno quanto à
regularidade da documentação apresentada e forma de repasse, sugerindo
repasse através de contribuição (fl. 58). Ocorre que, Auriene deixou de apontar
que o documento de fl. 35 não atendia às exigências do item 10 do Anexo I do
2 Decreto Municipal n. 034, de 25/01/2013 , tendo em vista que foi apresentada
mera declaração genérica de exposição de produtos em feiras no ano de 2012
(fl. 35). Ainda, sequer o estatuto da entidade (fls. 14 a 28) trazia em seu objeto
a organização de feiras.
Por sua vez, ainda no dia 22 de agosto de 2013, o demandado
ROBERTO SCHWEITZER DE ALBUQUERQUE, então Secretário Municipal de
Agricultura, emitiu parecer, por telefone, atestando o interesse público e
benefícios econômicos e sociais do projeto apresentado, mesmo ciente que
não se tratava de projeto elaborado pela ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL
ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA, mas sim por servidores do próprio
2 Relatório das atividades realizadas pela Entidade no período de um ano (janeiro a dezembro do ano anterior), contendo as seguintes informações: objetivo, justificativa, número de pessoas atendidas, e se os resultados propostos foram atingidos ou não, justificando.
28
fls. 1473
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
Município de São Bento do Sul e que não seria a Associação que promoveria o
evento.
Em continuidade, no dia 23 de agosto de 2013, o então
Prefeito Municipal, FERNANDO TURECK, encaminhou à Câmara de
Vereadores o Projeto de Lei n. 091/2013, relativo à autorização de repasse de
contribuição à ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL ESTRADA IMPERIAL
DONA FRANCISCA, no importe de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais)
isentando a entidade da contrapartida mínima de 20% prevista no art. 62 da
Lei Municipal n. 3.105/2012 (fls. 63/64).
Destaca-se ainda que, ciente que o evento seria organizado
pelo própio Poder Executivo municipal, o então prefeito FERNANDO TURECK
induziu a erro os vereadores municipais, tendo encaminhado a mensagem n.
091/2013 à Câmara de Vereadores juntamente com o Projeto de Lei n.
091/2013 (fl. 63), informando que se tratava de postulação da ASSOCIAÇÃO
DE TURISMO RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA.
Referido projeto de lei era necessário para isentar a entidade
de qualquer contrapartida financeira e dar cumprimento ao que fora
previamente acordado com a Associação que apenas estava "emprestando
seu nome" e que o Município seria o responsável por sua organização e teria
toda e qualquer responsabilidade financeira sobre o evento.
Posteriormente, em 13 de setembro de 2013, apenas 8 (oito)
dias antes do início da feira, foi aprovada a Lei Municipal n. 3.238, de 13 de
setembro de 2013, a qual autorizou apenas o repasse de R$ 110.000,00 (cento
e dez mil) e não os R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) originalmente
previstos no projeto de lei (fl. 65).
Na sequência, em 17 de setembro de 2013, o então prefeito
municipal FERNANDO TURECK nomeou Comissão de Coordenação e
Fiscalização da EXPOAMA (fl. 75).
Referido Decreto confirma o conhecimento do então Prefeito
28
fls. 1474
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Municipal acerca do mero "empréstimo do nome" da Associação para a
realização do evento pelo próprio Poder Executivo municipal, tanto assim que
nomeou a comissão como "de coordenação e fiscalização" e juntamente com
Edeltraud Rutzen Jung e Lúcia Gorniak, únicas pessoas vinculadas à
Associação demandada, nomeou diversos servidores públicos para cargos de
fiscal e membro, além de nomear os então Secretário Municipal de Agricultura
ROBERTO SCHWEITZER DE ALBUQUERQUE, como seu presidente,
JOCELITO PIERIN, como fiscal, e RAFAEL MUEHLBAUER, como membro.
Ora, se efetivamente se tratasse de mera contribuição pública
para entidade sem fins lucrativos promover um evento de interesse público
municipal, jamais poderia haver a ingerência direta de servidores públicos na
sua realização, estando apenas a entidade recebedora dos recursos obrigada
a prestar contas.No caso em apreço, houve o total desvirtuamento do instituto
da contribuição/subvenção, tendo o próprio Município procurado a entidade
para doar os recursos que na prática foram gerenciados e utilizados pelo
próprio Poder Executivo, visando burlar as regras de licitação e contratação
pública, apresentando uma roupagem jurídica totalmente diversa do que de
fato efetivamente ocorreu.
Veja-se que a Lei Municipal n. 3.238, de 13 de setembro de
2013, isentou a Associação da contrapartida de 20%. Porém, em cumprimento
ao acordo registrado em ata (fls. 12/13) , houve o repasse de 30% do valor
arrecado com a venda de bebidas para a ASSOCIAÇÃO DE TURISMO
RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA (fl. 136), no valor de R$
2.089,80 e a devolução ao Município dos outros 70% do valor arrecadado com
a venda de bebidas, no importe de R$ 7.408,70. Ora, tal proceder não tinha
qualquer previsão legal ou mesmo constava diretamente no pedido de
recursos, sendo apenas a confirmação da colocação em prática do acordo.
Conforme apurado a partir da oitiva de Edeltraud Rutzen Jung
e Lúcia Gorniak, presidente e tesoureira da ASSOCIAÇÃO DE TURISMO
28
fls. 1475
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA, há época, ficou claro que
todas as contratações, seja de fornecedores, patrocinadores ou expositores foi
realizada diretamente pelo Município de São Bento do Sul, concentrando-se
tais atividades em seu Departamento de Turismo. A Associação cedeu sua
documentação para elaboração do projeto de solicitação de recursos, abriu
uma conta bancária específica para gerir os recursos e sua presidente e
tesoureira assinavam os documentos que lhes eram apresentados e
realizavam os pagamentos conforme orientação que recebiam dos servidores
públicos, a maioria das vezes por e-mail.
De forma a evitar suspeitas e dificultar a identificação da
fraude, as comunicações com fornecedores eram realizadas pelo e-mail
expoama2013@gmail.com, não se identificando a pessoa física responsável
pela mensagem, assinando-se apenas os e-mails com o termo "Organização".
Ainda, os orçamentos, recibos e notas fiscais eram solicitados
e emitidos em nome da ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL ESTRADA
IMPERIAL DONA FRANCISCA, mesmo que realizados por servidores públicos.
Apurou-se que apenas em poucos casos houve descuido
quanto a este aspecto, tendo constado o nome do servidor Sedinei Padilha no
orçamento solicitado à empresa Milium (fl. 268) e sido indicado como local de
entrega de um contrato o Departamento de Turismo de São Bento do Sul (fl.
303). Tais fatos reforçam a conclusão de apenas ter sido usado o nome da
ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA
FRANCISCA para a realização da 20a EXPOAMA, a qual na prática foi
organizada pela própria Prefeitura Municipal.
Além de tal simulação representar, por si mesma, grave ato de
improbidade administrativa, tendo em vista a total subversão das normas e
princípios atinentes aos repasses de recursos a entidades privadas sem fins
lucrativos voltadas para a execução de serviços públicos, ela visava
essencialmente burlar as regras de licitação e contratação de serviços e bens
pela Administração Pública, principalmente os comandos insculpidos na Lei
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fls. 1476
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
8.666/93, tendo sido identificadas contratações diretas sem observância das
regras pertinentes e sem a realização de processos licitatórios.
Nesse ponto, importa esclarecer que a finalidade de
formalmente gerir os recursos como sendo repasse para entidade privada era
possibilitar aos agentes públicos demandados realizar as contratações ao
arrepio das regras de licitação e contratação pública, tendo em vista que na
forma de contribuição/subvenção havia apenas a necessidade de
apresentação de três orçamentos para a contratação e posterior prestação de
contas.
Conforme se depreende da prestação de contas apresentada
(fls. 103 e ss), a qual também foi elaborada por servidores públicos e apenas
assinada pela presidente e tesoureira da Associação, foram realizadas
dezenas de contratações sem a observância das disposições da Lei n.
8.666/93.
Conquanto a maioria delas enquadre-se em hipóteses de
dispensa de licitação, tendo em vista referirem-se a valores inferiores à R$
8.000,00 (oito mil reais). Constatou-se que mesmo nestes casos não foram
observadas as disposições legais pertinentes à dispensa de licitação previstos
na Lei n. 8.666/93 (artigos 14 e 26) e Lei de Responsabilidade Fiscal (artigos
16 e 17).
Ainda, conquanto possam ser contratadas por inexigibilidade
de licitação, apurou-se que a contratação das atrações artísticas da 20a
EXPOAMA não seguiram as regras previstas no art. 25 da Lei de Licitações,
tratando-se de evidente contratação direta sem licitação.
Conforme referido dispositivo:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de
competição, em especial:
[...]
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico,
diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que
28
fls. 1477
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
(grifou-se)
Todas as atrações artísticas/musicais da 20a EXPOAMA foram
contratadas da empresa Clube Tradição Danceteria Ltda ME (fl. 306-309), no
valor de R$ 58.900,00 (cinquenta e oito mil e novecentos reais) (fl. 304).
Ocorre que, para referida contratação foram apresentados apenas 3
orçamentos (fls. 311-313), com opções e quantidades de shows muito diversos
entre si, não sendo possível a partir da sua confrontação apurar-se qual seria o
valor de mercado efetivo das contratações. Além da referida irregularidade,
não se tem qualquer registro ou comprovação de ser a empresa contratada,
Clube Tradição Danceteria Ltda ME, empresária exclusiva dos artistas ou que
estes sejam consagrados pela crítica especializada ou pela opinião pública.
Tal fato demonstra que a realização da 20a EXPOAMA de
forma simulada pela ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL ESTRADA
IMPERIAL DONA FRANCISCA serviu também para a realização de
contratações ilegais, que não seriam possíveis se realizadas diretamente pelo
verdadeiro ente realizador do evento, o Poder Executivo de São Bento do Sul.
Também foram identificadas pelo menos duas contratações
diretas, sem realização do devido processo licitatório, consistentes na
contratação da empresa Bellos Eventos Ltda EPP, para fornecimento de
tendas, pavilhão de lona, banheiros químicos e cobertura de baia, no valor de
R$ 24.050.00 (vinte e quatro mil e cinquenta reais) (fls. 230-232) e da empresa
V.F. Vigilância e Segurança Ltda., para realização dos serviços de segurança
na área do evento, no valor de R$ 9.537.00 (nove mil, quinhentos e trinta e
sete reais) (fls. 359-361), para cuja contratação apenas foram providenciados
três orçamentos (fls. 362-365 e 234-236).
Referidas contratações teriam que ter sido precedidas por
processo licitatório tendo em vista não se enquadrarem em nenhuma das
hipóteses de inexigibilidade ou dispensa de licitação em vigor à época dos
fatos. Porém, tendo os demandados ocultado o verdadeiro organizador do
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fls. 1478
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
evento, o Poder Executivo municipal, houve evidente dispensa indevida de
licitação, com consequente prejuízo ao erário.
Assim, por todo o apurado no bojo do Inquérito Civil anexo e o
acima exposto, verifica-se que os demandados agiram em conjunto para que
fossem concedidos de forma fraudulenta R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais)
à título de contribuição social à ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL
ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA, de forma a possibilitar a realização
da 20a EXPOAMA diretamente pelo Poder Executivo municipal, sem o
cumprimento das exigências relativas às licitações e contratações públicas,
incorrendo assim na prática de atos de improbidade administrativa que
causaram prejuízo ao erário e atentaram contra os princípios da administração
pública, conforme exposto adiante.
II – DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A legitimidade ad causam do Ministério Público está
fundamentada no texto no constitucional, mais precisamente no artigo 127,
caput, e 129, inciso III, ambos da Constituição Federal.
Segundo o disposto no artigo 127, caput, da Constituição
Federal "O Ministério Público é instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Já o artigo 129, III, da referida Carta, assim estabelece:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meios ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (grifo não original).
Em nível infraconstitucional, tal legitimação, se fundamenta no
artigo 25 da Lei n. 8.625/93, o qual estabelece dentre outras funções do
Ministério Público, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a
defesa de direitos de relevância social.
28
fls. 1479
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
Já o artigo 93 da Constituição do Estado de Santa Catarina,
que reserva ao Ministério Público "a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Por fim, a Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa),
dispõe:
Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. [...] 4o O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.
Portanto, mostra-se evidente a legitimidade do Ministério
Público para a propositura da presente ação.
III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA
Quanto à legitimidade passiva da presente demanda, verifica-
se que o requerido FERNANDO TURECK era à época Prefeito Municipal,
ROBERTO SCHWEITZER DE ALBUQUERQUE ocupava o cargo de Secretário
de Agricultura, RAFAEL MUEHLBAUER, o cargo comissionado de Chefe de
Divisão de Turismo, JOCELITO PIERIN, o cargo comissionado de Diretor do
Departamento de Turismo e AURIENE ROEPKE, o cargo comissionado de
Diretora do Departamento de Controle Externo, enquadrando-se todos no
conceito de agente público contido no artigo 2o da Lei de Improbidade
Administrativa, in verbis:
Art. 2o Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
O então prefeito municipal FERNANDO TURECK tinha
conhecimento de que de fato não seria a Associação de Turismo Rural Estrada
Imperial Dona Francisca que realizaria a 20a EXPOAMA, mas sim o próprio
Município de São Bento do Sul. Porém, mesmo ciente da fraude e ilegalidade,
encaminhou projeto de lei para fornecimento de contribuição social, nomeou
comissão de organização e fiscalização e transferiu recursos públicos à
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fls. 1480
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
referida entidade, visando burlar a legislação aplicável às contratações
públicas, violando assim os princípios norteadores da administração pública,
bem como causando lesão ao erário.
Por sua vez, ROBERTO SCHWEITZER DE ALBUQUERQUE,
RAFAEL MUEHLBAUER e JOCELITO PIERIN procuraram a Associação de
Turismo Rural Estrada Imperial Dona Francisca, em nome do Município de São
Bento do Sul, solicitando o "empréstimo do nome" da entidade para a
realização da 20a EXPOAMA, visando assim burlar a legislação pertinente às
contratações públicas e concessão de contribuições sociais. Ainda, foram eles
que de fato organizaram o evento, solicitando à presidente e à tesoureira da
Associação a documentação e assinaturas necessárias. Referidos
demandados ocupavam cargos de direção na Secretaria de Agricultuta e
Departamento de Turismo, órgãos diretamente responsáveis pela realização
do evento, tendo coordenado as atividades dos respectivos servidores para a
realização do evento, que ocasionaram na realização de contratações de bens
e serviços ao arrepio da legislação de regência. Tais atos importaram em
violação aos princípios da administração pública e prejuízo ao erário.
Por fim, AURIENE ROEPKE, na qualidade de Diretora de
Controle Interno e responsável pela análise do pedido de recursos financeiros
e pela prestação de contas, deixou de exarar parecer contrário à concessão
dos recursos, mesmo ciente de não terem sido atendidos os requisitos legais
para sua concessão e a evidente ausência de capacidade da requerente para
organizar um evento de tamanha envergadura. Igualmente, deixou de adotar
qualquer providência quanto aos evidentes sinais da utilização da Associação
como "laranja" na utilização do recursos, tais como aqueles decorrentes da
realização de repasses de renda do evento ao Município sem previsão legal ou
contratual, solicitação de entrega de documentos diretamente no
Departamento de Turismo, orçamentos realizados por servidor público
municipal ou mesmo a nomeação de uma comissão de organização e
fiscalização formada em sua maioria por servidores públicos e mesmo a
entrega do projeto e prestação de contas por agentes públicos e não pelos
28
fls. 1481
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
representantes da entidade. Tal proceder demonstra que tinha pleno
conhecimento da fraude que estava sendo engendrada, tendo atuado para sua
perfectibilização ou, ao menos, incorreu em culpa grave.
Já a responsabilidade das requeridas ASSOCIAÇÃO DE
TURISMO RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA, EDELTRAUD
RUTZEN JUNG e LÚCIA GORNIAK advém do que preceitua o artigo 3o da Lei
n. 8429/93, que determina:
Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. (grifo não original)
O dever de probidade administrativa, conforme deixa clara a
legislação pertinente, estende-se tanto aos servidores públicos, como aos
terceiros que participam de atos administrativos ou que de qualquer modo se
beneficiem deles. In casu, as demandadas ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL
ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA, EDELTRAUD RUTZEN JUNG e
LÚCIA GORNIAK concorreram diretamente para a prática dos atos de
improbidade, na medida em que aceitaram o acordo ilícito proposto,
fornecendo a documentação necessária, assinando os documentos e
movimentando a conta bancária a partir da orientação dos agentes públicos
demandados, e se beneficiaram dela mediante a arrecadação de parte dos
lucros decorrentes da venda de bebidas alcoolicas e utilização do espaço para
exposição e venda de café colonial.
Desse modo, conclui-se que os documentos e depoimentos
juntados à presente exordial conferem legitimidade a todos requeridos para
figurarem no polo passivo da demanda.
IV – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
A - DA CARACTERIZAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE
28
fls. 1482
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2a PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE SÃO BENTO DO SUL
CAUSADORES DE PREJUÍZO AO ERÁRIO
Diante da narrativa dos fatos acima, é correto dizer que os
requeridos praticaram ato de improbidade administrativa que causou prejuízo
ao erário. Suas condutas subsumem-se, portanto, ao ato de improbidade
administrativa contido no artigo 10, caput e incisos VII, VIII e XII, da Lei de
Improbidade Administrativa:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão
ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje
perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1o
desta lei, e notadamente:
[...]
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância
das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo
indevidamente. (redação vigente à época dos fatos, anterior à
alteração promovida pela Lei no 13.019, de 2014)
[...]
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;
Sobre a conduta proscrita no artigo 10, inciso VII: "conceder
benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie", dissertam Adriano Andrade, Cleber
3 Masson e Landolfo Andrade :
[...] A administração Pública, por meio de lei, pode conceder benefício
administrativos (subvenção, subsídio, auxílio) ou fiscais (isenção,
redução da base de cálculo, alíquota zero, crédito tributário) a
particulares, normalmente com o objetivo de fomentar atividades
econômicas ou socialmente relevantes em favor do interesse público.
É a lei, portanto, que autoriza a concessão de tais benefício. Nem
poderia ser diferente, uma vez que implicarão inevitável perda de
receita por parte da Administração. Ao agente público compete aplicar
a lei, ou seja, verificar se os requisitos para a concessão do benefício
estão presentes. [...] Caso o agente, por dolo ou culpa, conceda o 3 ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses Difusos e Coletivos – Esquematizado. 5a Ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015, p. 725
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benefício fiscal sem a observância de tais requisitos, sua conduta
causará lesão ao erário e se amoldará ao tipo legal em estudo. [...]
Entre os benefícios administrativos mais frequentes destacam-se
subvenções sociais (destinação de recursos públicos a instituições de
caráter assistencial ou cultural sem fins lucrativo), as subvenções
econômicas (destinação de numerário a empresas públicas ou
privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril) e os
subsídios (auxílio financeiro). [...]
No caso concreto, os demandados agentes públicos, agindo
em conjunto, desvirtuaram o interesse público inerente às
subvenções/contribuições destinadas a entidades sem fins lucrativos para a
realização de serviços públicos. Os demandados simularam a concessão da
subvenção/contribuição à Associação demandada visando burlar as regras
inerentes às contratações públicas, realizando contratações diretas irregulares,
dispensando indevidamente licitações e não cumprindo os requisitos
necessários para a inexigibilidade de licitação. Conforme apurado, apenas
formalmente os recursos foram destinados à Associação Dona Francisca, pois
na prática foram totalmente geridos pelos agentes públicos demandados junto
ao Poder Executivo municipal.
Em relação ao artigo 10, inciso VIII, da Lei de Improbidade
Administrativa, bem explica Pedro Roberto Decomain:
Qualquer violação ocorrida em procedimento licitatório, que conduza à inobservância, no âmbito dele, de algum dos princípios invocados no art. 3o da Lei 8.666/93, haverá de ser considerada como "frustração da licitude do processo" nos termos do art. 10, VIII, da Lei 8.429/92, caracterizando improbidade administrativa. (in Improbidade Administrativa. 2a ed. São Paulo: dialética, 2014. p. 133)
De fato, nota-se, in casu, que não foram observados os
princípios previstos no artigo 3o, caput, da Lei n. 8.666/93, o qual preceitua:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
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Além dos princípios gerais, a fraude também foi utilizada para
burlar as regras específicas inerentes às contratações diretas, dispensa de
licitação e não cumprindo os requisitos necessários para a inexigibilidade de
licitação, conforme exposto na capítulo relativo aos fatos.
Acerca do tema, a lição de Hely Lopes Meireles:
Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculantes para a Administração e para os licitantes, o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. Tem como pressuposto a competição. [...] Essa dupla finalidade – obtenção do contrato mais vantajoso e resguardo dos direitos de possíveis contratados – é preocupação que vem desde a Idade Média e leva os Estados modernos a aprimorarem cada vez mais o procedimento licitatório, hoje sujeito a determinados princípios, cujo descumprimento descaracteriza o instituto e invalida seu resultado seletivo. (in Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 281).
Waldo Fazzio Júnior, por seu turno, leciona que:
A licitação justifica-se. Seu objeto é sua própria razão de existir, uma vez que consiste num conjunto de atos administrativos em seqüência dirigidos à eleição de contratante que ofereça as condições mais vantajosas em negócio que a Administração deseja celebrar, como fase necessária do processamento da despesa pública. Por isso, revela-se, fundamentalmente, como um certame competitivo afetado por uma finalidade pública. Daí ter dito José Afonso da Silva que o princípio da licitação é instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e da isonomia. (in Improbidade Administrativa e crimes de prefeitos: de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 132).
É evidente que as contratações realizadas utilizando-se o
nome da Associação, quando na verdade trava-se do próprio Poder Público o
contratante, nos moldes efetuados pelos demandados, violaram as regras
previstas na Lei n. 8.666/93 e causaram prejuízo ao erário, já que,
evidentemente, a administração pública deixou de contratar a proposta mais
vantajosa.
Nessa toada, leciona Emerson Garcia que "Não havendo
perfeito enquadramento da situação fática nos permissivos legais ou sendo
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provada a simulação, ter-se-á a frustração do processo licitatório e a
consequente configuração da improbidade" (Improbidade Administrativa /
Emerson Garcia, Rogério Pacheco Alves. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.
437).
A respeito:
APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO – LOCAÇÃO DE VEÍCULO E MÃO DE OBRA DE MOTORISTA – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E LEGALIDADE AFETOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ART. 11 DA LEI No 8.429/92 – CARACTERIZAÇÃO DA IMPROBIDADE – APELAÇÃO DESPROVIDA E REEXAME NECESSÁRIO RATIFICADO. 1 – O processo licitatório tem por finalidade garantir a melhor proposta à Administração, respeitando os princípios constitucionais. Desse modo, a ausência de licitação ofende os princípios da administração pública, caracterizando-se como ato de improbidade. 2 – A locação de veículos e contratação direta de profissional para dirigir o veículo, sem a instauração do devido procedimento licitatório, se inocorrentes as hipóteses concernentes à dispensa, afronta os princípios constitucionais administrativos da legalidade e da moralidade, bem como o princípio da impessoalidade. Esta conduta amolda-se perfeitamente ao disposto na Lei de Improbidade Administrativa. (N.U 0000120-16.2009.8.11.0044, Ap 65511/2016, DESA.HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO, Julgado em 07/05/2018, Publicado no DJE 22/05/2018)
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO OBRIGATÓRIO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - LEI N. 4.717/65 - INAPLICABILIDADE. [...] V Os atos de improbidade previstos nos artigos 9o, 10 e 11 da Lei no 8.429/92 exigem a presença do elemento subjetivo, qual seja, o dolo ou culpa do agente, a depender da hipótese do enquadramento, não se revelando suficiente a mera comprovação de dano ao erário. A dispensa de licitação fora das hipóteses legais previstas no artigo 24 da Lei 8.666/93 é tipificada no artigo 10, VIII, da LIA como ato de improbidade administrativa. O entendimento pacífico do STJ é no sentido de que "a indevida dispensa de licitação, por impedir que a administração pública contrate a melhor proposta, causa dano "in re ipsa", descabendo exigir do autor da ação civil pública prova a respeito do tema" (STJ, REsp 817.921/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/12/2012). - Na esteira da jurisprudência do colendo STJ, basta a presença de dolo genérico ou "lato sensu" para configurar improbidade administrativa, ou se ja, a simples inobservância dos ditames constitucionais e/ou legais quando da gestão de recursos públicos. [...] - Sentença reformada, em reexame necessário, prejudicado o recurso. (TJMG - Apelação Cível 1.0701.11.023869-1/001,
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Relator(a): Des.(a) Wander Marotta , 5a CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/03/2017, publicação da súmula em 21/03/2017)
Aliás, vale destacar que, nos casos de dispensa ou
inexigibilidade de licitação, o prejuízo é in re ipsa pelo fato de a
Administração Pública deixar de contratar a melhor proposta. A propósito,
esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, VIII, DA LEI N. 8.429/1992. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. DANO IN RE IPSA À ADMINISTRAÇÃO. REVISÃO DAS SANÇÕES IMPOSTAS. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. Segundo entendimento consolidado no âmbito das Turmas que compõem a Primeira Seção, o prejuízo decorrente da dispensa indevida de licitação é presumido (dano in re ipsa), consubstanciado na impossibilidade da contratação pela Administração da melhor proposta, não tendo o acórdão de origem se afastado de tal entendimento. 3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a revisão da dosimetria das sanções aplicadas em ação de improbidade administrativa implica reexame do conjunto fático- probatório, esbarrando na dicção da Súmula 7 do STJ, salvo quando, da leitura do acórdão recorrido, verificar-se a desproporcionalidade entre os atos praticados e as sanções impostas. 4. Hipótese em que, muito embora o Tribunal de origem tenha excluído as demais sanções impostas no primeiro grau de jurisdição, fixou a multa civil prevista no art. 12, II, da LIA em [...]. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1499706/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 14/03/2017)
Acerca do disposto no art. 10, inciso XII, da Lei n. 8.429/92,
ARNALDO RIZZARDO leciona:
[inciso XII]. O enriquecimento ilícito, no caso em exame de terceiro,
equivale a uma vantagem obtida ou concedida em favor de outra
pessoa que não o agente, não havendo a devida contraprestação,
como no pagamento sem a entrega da mercadoria, ou sem a
prestação do serviço contratado; no recebimento de um produto de
qualidade inferior à adquirida; na falta de aferição da quantidade de
produtos adquiridos. Pode-se dizer que se configura uma coautoria ou
participação do agente, que, não raramente, ele estranhos à função
pública para não aparecer ostensivamente na prática da ilicitude."
(Rizzardo, p. 483).
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No presente caso, a atuação dos demandados permitiu que a
ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA
FRANCISCA se enriquecesse ilicitamente, tendo em vista que de forma a
conseguir o "empréstimo do nome" da associação e possibilitar a fraude, foi
transferido a ela 30% por cento do lucro decorrente da venda de bebidas
alcoólicas e a utilização gratuita do espaço de exposição na feira para venda
de artesanato e café colonial.
Não há dúvidas, portanto, que as condutas dos demandados
se subsumem perfeitamente à previsão contida no artigo 10, caput e incisos
VII, VIII e XII, da Lei de Improbidade Administrativa.
B – DO DANO CAUSADO AO ERÁRIO
Conforme já exposto acima, a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça entende que nos casos de contratações diretas, sem a
realização do devido processo licitatório, estar-se-ia diante de dano in re ipsa,
na medida em que o Poder Público deixa de, por condutas de administradores
ímprobos, contratar a melhor proposta.
Tal entendimento deve ser aplicado no caso em exame, pelo
menos, no que tange às contratações das empresas Bellos Eventos Ltda EPP
(R$ 24.050.00), V.F. Vigilância e Segurança Ltda. (R$ 9.537.00) e Clube
Tradição Danceteria Ltda ME (R$ 58.900,00) nas quais a não realização do
devido processo licitatório impossibilitou ao Município de São Bento do Sul
apurar e contratar melhor proposta.
Tal aplicação justifica-se no princípio de que os demandados
não podem se aproveitar da própria torpeza e seria absolutamente impossível
apurar em momento posterior às contratações os valores que seriam ofertados
por outras empresas, caso fosse realizado um procedimento licitatório.
Da mesma forma, o afastamento indevido de licitação torna a
contratação nula e, em consequência, indevido o pagamento realizado com
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recursos do erário. Uma vez declarado nulo o negócio jurídico, a situação tem
que voltar ao seu estado anterior, com a devolução integral dos valores aos
cofres públicos, não podendo se falar em boa-fé nos casos aqui tratados no
que tange aos demandados.
4 Conforme leciona Rogério Pacheco Alves :
É importante frisar que a noção de dano não se encontra adstrita à
necessidade de demonstração da diminuição patrimonial, sendo
inúmeras hipóteses de lesividade presumida previstas na legislação
especial. Como consequência da infração às normas vigentes, ter-se-
á a nulidade do ato, o qual será insuscetível de produzi efeitos válidos.
Por sua vez, verifica-se que também houve prejuízo ao erário
decorrente diretamente do acordo realizado entre a ASSOCIAÇÃO DE
TURISMO RURAL ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA e os agentes
públicos demandados, visto que ao simular o repasse dos recursos, acordou-
se que a Associação ficaria com 30% dos lucros decorrentes da venda de
bebidas alcóolicas (R$ 2.089,80 - fl. 136). Tal valor, caso não tivesse ocorrida a
simulação, seria lucro a ser revertido ao Município de São Bento do Sul.
Da mesma forma, o acordo espúrio entabulado impediu que o
Município recebesse pelo aluguel do espaço utilizado pela Associação na 20a
EXPOAMA para exposição de artesanato e venda de café colonial.
Tais recursos, por sua vez, representam dano concreto ao
erário.
C - DA CARACTERIZAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA VIOLADORES DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
De igual modo, os requeridos obraram em desacordo com os
princípios da Administração Pública, razão pela qual suas condutas também
se amoldam ao artigo 11 da Lei 8.429/92, que dispõe:
4 Improbidade Administrativa. 5 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 321.
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Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições [...].
A respeito, estabelece também o artigo 37, caput, da
Constituição Federal: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...].
Deste modo, é imperativo que o administrador público norteie-
se pelos princípios superiores da administração pública.
Acerca do tema, extrai-se da lição de Hely Lopes Meirelles:
Os princípios básicos da administração pública estão consubstanciados em quatro regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador: legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade. Por esses padrões é que se hão de pautar todos os atos administrativos. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da validade da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais (in Direito Administrativo Brasileiro. 16. ed. São Paulo: RT, 1991, p. 77/78).
Tem-se que, no caso em exame, os requeridos não agiram de
acordo com os princípios basilares da legalidade, lealdade às instituições,
impessoalidade, honestidade e moralidade.
Em afronta aos ditames legais os requeridos simularam a
concessão de contribuição/subvenção à ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL
ESTRADA IMPERIAL DONA FRANCISCA para burlar as regras legais
pertinentes às contratações públicas.
Tal conduta demonstra-se evidentemente desonesta e
violadora do princípio da moralidade tendo em vista sua finalidade primária
de esconder a realidade, criando uma situação que apenas formalmente
poderia ser considerada legal, quando na prática servia para ocultar práticas
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ilegais.
O princípio da moralidade administrativa, na definição dada
pela doutrinadora Fernanda Marinela:
[...] exige que a Administração e seus agentes atuem em conformidade com os princípios éticos aceitáveis socialmente. Esse princípio se relaciona com a ideia de honestidade, exigindo a estrita observância de padrões éticos, de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública. [...]. O princípio da moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum. Enquanto a última preocupa-se com a distinção entre o bem e o mal, a primeira é composta não só por correção de atitudes, mas também por regras de boa administração, pela ideia de função administrativa, interesse do povo, de bem comum. Moralidade administrativa está ligada ao conceito de bom administrador. (in Direito Administrativo. 6. ed., rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus. 2012, p. 39).
Outrossim, valiosa é a lição de Hely Lopes Meirelles sobre o
princípio em comento:[...] o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: ‘non omne quod licet honestum est’. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para a sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum. (in Direito Administrativo Brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros, p. 84).
Segundo Waldo Fazzio Júnior:
O ato que agride os princípios administrativos não é simplesmente ilegal, mas o que carrega a substância intrínseca da imoralidade. É o ato desonesto, não o produto de peculiaridades pessoais negativas, como a inabilidade e o despreparo cultural, que não objetivam enfrentar a lei. A improbidade administrativa, mais que um ato contra a legalidade, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé. É a conduta que “destoa nítida e manifestamente das pautas morais básicas transgredindo, assim, os deveres de retidão e de lealdade ao interesse público”. (in Improbidade Administrativa e crimes de prefeitos: de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. 2. ed. São
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Paulo: Atlas, 2001, p. 180-181.)
Da mesma forma, houve violação do princípio da lealdade às
instituições tendo em vista que a simulação entabulada levou a erro o Poder
Legislativo, que acabou aprovando o repasse de recursos para a Associação
realizar a 20a EXPOAMA, quando na verdade foi o próprio Poder Executivo
quem a organizou.
Ao serem desrespeitados os comandos legais relativos à
concessão de subvenções/contribuições e aqueles relativos às contratações
públicas, também restou violado o princípio da legalidade.
Sobre o princípio da legalidade, Hely Lopes Meirelles ensina:
A legalidade, como princípio de administração (Constituição da República, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso (in Direito Administrativo. 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 78).
O doutrinador Pinto Ferreira, também define de forma clara o
referido princípio:
O princípio da legalidade ou da legitimidade significa que o administrador público só pode fazer o que está expressamente autorizado por lei. Ele está resumido no preceito "L'État, c'est la loi" que contradiz o "L'État c'est mil" do absolutismo. O governo é de leis, e não de homens. Como ensina Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 13a ed., p ́g. 61), 'na Administração Pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é licito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza'. A expressão legalidade significa um pouco mais do que conforme à lei; ela deve ser entendida de modo mais abrangente, conforme ao direito de forma mais extensa, como ensinam Vedel e Celso Antônio Bandeira de Mello. (in Comentário à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 362).
Importante mencionar, ainda, que o princípio da legalidade nos
procedimentos de licitação pública, assim como de inexigibilidade e dispensa
de licitação, assume fundamental importância, consoante, preleciona o
doutrinador José dos Santos Carvalho Filho:
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No campo das licitações, o princípio da legalidade impõe, principalmente, que o administrador observe as regras que a lei traçou para o procedimento. É a aplicação do devido processo legal, segundo o qual se exige que a Administração escolha a modalidade certa; que seja bem clara quanto aos critérios eletivos; que só deixe de realizar a licitação nos casos permitidos na lei; que verifique, com cuidado, os requisitos de habilitação dos candidatos, e, enfim, que se disponha a alcançar os objetivos colimados, seguindo os passos dos mandamentos legais. (in Manual de Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 264).
No mesmo diapasão, extrai-se da doutrina de Maria Sylvia
Zanella Di Pietro que: “O princípio da legalidade (...) é de suma relevância em
matéria de licitação, pois esta constitui um procedimento inteiramente
vinculado à lei; todas as suas fases estão rigorosamente disciplinadas na Lei
no 8.666/93, [...]”. (in Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.
338-339).
Dessa forma, a utilização de um procedimento simulado para
repassar contribuição/subvenção e possibilitar a realização de contratações
diretas ao arrepio da lei, configura violação ao princípio da legalidade.
Ademais, as contratações realizadas sem licitação ou sem o
cumprimento das regras relativas à dispensa e inexigibilidade de licitação,
violaram o princípio da impessoalidade, tendo em vista que a possibilidade
de contratação foi limitada àquelas empresas diretamente procuradas pelos
demandados e não ofertada publicamente, mediante a publicação do devido
edital.
Acerca do princípio da impessoalidade, ensina Celso Antônio
Bandeira de Mello:
Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminação, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituição. Além disso, assim como "todos são iguais perante a lei" (art. 5o, caput) a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração (in Direito Administrativo Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Malheiros,1993, p. 58).
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A obrigatoriedade de instruir os processos de dispensa de
licitação com as razões que fundamentam a contratação direta e a
demonstração de compatibilidade do valor de mercado, é utilizada em analogia
ao princípio do julgamento objetivo das propostas, com intuito de possibilitar a
economia e a igualdade de acesso dos particulares aos contratos de interesse
da Administração Pública. Desse modo, qualquer ato que desrespeite tal
mandamento constitucional caracteriza, via de consequência, violação ao
princípio da impessoalidade ou igualdade.
Nesse sentido, Maria Sylvia Z. Di Pietro leciona que “O
princípio da igualdade constitui um dos alicerces da licitação, na medida em
que esta visa, não apenas permitir à Administração a escolha da melhor
proposta, como também assegurar igualdade de direitos a todos os
interessados em contratar.” (in Direito Administrativo, 21. ed. São Paulo. Atlas,
2008, p. 336)
Por fim, também não restam dúvidas de que a conduta dos
demandados importou na prática de ato de improbidade administrativa prevista
no inciso I do art. 11 da Lei de Improbidade administrativa, in verbis:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra
os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que
viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e
lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência; [...]
A simulação engendrada pelos demandados visou justamente
subverter a finalidade da concessão de incentivos administrativos.
No caso dos autos, ao invés de a Associação procurar o Poder
Público em busca de recursos para poder realizar o evento sob sua
responsabilidade e mediante o esforço de seus associados, de modo que ao
final prestasse contas ao Poder Público, foi a própria Administração Pública, a
partir dos agentes públicos demandados, que procurou a Associação para
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apenas "emprestar o nome e documentação" para que aqueles pudessem
realizar o evento sem a observância das regras exigidas para as contratações
públicas.
Tal comportamento demonstra evidente desvio de finalidade do
instituto da subvenção/contribuição e foi adotado visando fim proibido em lei.
D – DO ELEMENTO SUBJETIVO
No caso em tela, todos os elementos probatórios e as
circunstâncias apontadas demonstram o elemento subjetivo
consubstanciado no dolo na conduta dos agentes públicos e particulares
que participaram da simulação da suposta concessão de
subvenção/contribuição à ASSOCIAÇÃO DE TURISMO RURAL ESTRADA
IMPERIAL DONA FRANCISCA visando permitir que os recursos fossem
geridos diretamente pelos demandados no Poder Executivo municipal, ao
arrepio dos princípios e regras exigidos para as licitações e contratações
públicas.
Segundo a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal Justiça,
para ficar caracterizado os atos de improbidade administrativa descritos no art.
9o e 11 da Lei n. 8.429/1992 faz-se necessário a comprovação do elemento
subjetivo (dolo ou má-fé) na conduta praticada pelo agente, enquanto para
configurar o ato do art. 10 basta a presença da culpa grave.
Nesse sentido, colhe-se o seguinte julgado do Superior
Tribunal de Justiça:
[...] 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9o e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do art. 10. [....] (STJ - AgRg no AREsp: 161420/TO, Rel. Ministro Humberto Martins, j. em 03/04/2014, Segunda Turma, p. DJe em 14/04/2014)
Sobre o conceito de dolo exigido para caracterização do
ato de improbidade administrativa, extrai-se do julgado do Superior Tribunal de
Justiça:
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[...] O dolo que se exige para a configuração de improbidade administrativa reflete-se na simples vontade consciente de aderir à conduta descrita no tipo, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica - ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria -, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas. Precedentes." (AgRg no Resp 1214254/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/02/2011, DJe 22/02/2011).
Ainda, acerca do elemento subjetivo na conduta dos
agentes públicos, discorre Emerson Garcia:
[...] Em face da impossibilidade de se penetrar na consciência e no psiquismo do agente, o seu elemento subjetivo há de ser individualizado de acordo com as circunstâncias periféricas do caso concreto, como o conhecimento dos fatos e das consequências, o grau de discernimento exigido para a função exercida e a presença de possíveis escusas, como a longa repetitio e a existência de pareceres embasados na técnica e na razão.(Improbidade Administrativa / Emerson Garcia, Rogério Pacheco Alves. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 437).
No caso em tela, conquanto fosse suficiente a mera culpa,
tendo em vista a prática de atos que ocasionaram lesão ao erário, todos os
elementos probatórios e as circunstâncias apontadas demonstram o elemento
subjetivo consubstanciado no dolo na conduta dos agentes públicos e
particulares que participaram da fraude, tendo ciência que se estava diante de
uma simulação engendrada justamente para burlar-se o cumprimento da
legislação, seja para a concessão da subvenção/contribuição, seja para as
contratações ilegais dela decorrentes e desde o início visadas.
V - DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS
Diante do exposto, o Ministério Público requer:
a) a notificação preliminar dos requeridos para, querendo, no
prazo de 15 (quinze) dias, oferecerem manifestação escrita, juntando os
documentos que entendam necessários (artigo 17, § 7o, da Lei n. 8.429/1992);
b) a notificação do Município de São Bento do Sul para,
querendo, integrar a lide como litisconsorte ativo, nos termos do art. 17, § 3o,
da Lei 8.429/1992 c/c art. 6o, § 3o, da Lei n. 4.717/1965;
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fls. 1496
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c) o recebimento da inicial com os documentos que a
acompanham;
d) a citação dos requeridos sobre os termos da presente ação
para, querendo, contestarem no prazo legal, sob pena de revelia;
e) ao final seja julgado PROCEDENTE o feito para:
e.1) reconhecer as condutas praticadas pelos requeridos como
atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, caput, e inciso VII, VIII
e XII, e art. 11, caput, e inciso I, da Lei 8.429/1992, condenando-os às
sanções previstas no art. 12, incisos II e III da Lei 8.429/1992.
e.2) condená-los, solidariamente, ao ressarcimento dos danos
causados ao erário, no valor de R$ 94.576,80 (noventa e quatro mil,
5 quinhentos e setenta e seis reais e oitenta centavos) .
f) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros
encargos, conforme o disposto no artigo 18 da Lei n. 7.347/1985; e
g) a condenação dos requeridos ao pagamento das despesas
do processo e demais cominações legais.
h) a produção de todos os meios de provas admitidos em
direito, notadamente a juntada de novos documentos, caso necessário, a oitiva
de testemunhas, cujo rol será apresentado oportunamente;
i) a preferência de julgamento da presente actio, nos termos do
art. 4o, V, da Constituição do Estado de Santa Catarina.
Dá-se à causa o valor de R$ 94.576,80 (noventa e quatro mil,
quinhentos e setenta e seis reais e oitenta centavos).
Termos em que pede e espera deferimento.
São Bento do Sul, 21 de julho de 2019.
[assinado digitalmente]
DJÔNATA WINTER
Promotor de Justiça
5 Valores históricos, a serem acrescidos de juros e correção monetária desde o ilícito.