Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Já tive a oportunidade de falar aqui que me tornei jornalista praticamente por recomendação médica. Na faculdade, tive um professor que escolheu a sua profissão na fila de inscrição para o vestibular. "Você acha que eu tenho cara de quê?", perguntou à atendente. E foi um dos meus melhores professores de Jornalismo. Era daqueles que, quando trabalhava em jornal, adorava fazer matérias do tipo se vestir de mendigo e sair na rua para ver se alguém da prefeitura iria sumir com ele.
Não é nada parecido com a vida de jornalista que levo após ter me formado. Trabalho numa consultoria de meio ambiente e passo boa parte da semana à frente de um computador. Quando saio, acompanho reuniões técnicas que estão longe da empolgação que os acadêmicos de Jornalismo esperam para a profissão. Muito mais emocionante foi a minha vida de estagiário - a começar pelo salário, quando havia.
Jornalismo policial
O primeiro jornal em que eu trabalhei se chamava, por redundância, "Primeiro Jornal". Ele se resumia ao jornalista-chefe e a um estagiário que ganhava apenas o vale-transporte. O jornal ficava em Colombo, região metropolitana de Curitiba, e não muito longe de um conhecido ponto de tráfico de drogas, onde quase toda semana alguém virava pó. Isso não parecia assustar o jornalista, que era apaixonado por matérias policiais. Mas digamos que chegava a incomodar um pouco o seu estagiário.
Um dos meus trabalhos era realizar pequenas enquetes com a população. Como a violência era comum na região, e como havia uma clara preferência por notícias ligadas a ela, geralmente esse também era o tom das enquetes. Eu perguntava sobre o aumento da violência e como o problema poderia ser resolvido. Muitas pessoas até respondiam, mas algumas recuavam quando se davam conta de que a declaração iria sair no jornal - e com uma foto delas ao lado.
Lembro-me especialmente de um homem a quem pedi uma declaração sobre a violência no bairro. Ele disse o mesmo que todo mundo: a violência aumentava, a polícia diminuía, os traficantes comandavam e as pessoas morriam. Mas quando falei em tirar uma foto, ele se assustou. Ficou indeciso, pensando nas possíveis represálias. Depois de um tempo, deu um suspiro e se decidiu. Rindo, falou:
- Tudo bem. Pode tirar a foto. Um a mais, um a menos, que diferença vai fazer, não é?
Manchetes
Acabo me divertindo com os antigos jornais de São Bento. É uma boa aula da evolução do jornalismo. Nos anos 60 e 70, o “Tribuna da Serra” publicou manchetes pra lá de curiosas, como "Visitará São Bento um Oculista do Paraná". Sou levado a crer que era um fenômeno raro e realmente importante. Talvez São Bento andasse vendo mal.
Boa parte das manchetes era enorme: "Terrível Catástrofe Abateu-se Inexoravelmente sobre os Estados do Paraná e Santa Catarina: FOGO!". O que me espantou na notícia não foi a terrível catástrofe ou o fogo, mas o "inexoravelmente". Algo que acontece inexoravelmente, seja lá o que significa, dificilmente deixará de ser uma terrível catástrofe.
Mas tenho certeza que essa manchete não alarmou tanto a população como a bombástica notícia de dezembro de 1973: "Festas natalinas com falta de cerveja".
Saudações jornalísticas!