Certa vez um amigo confidenciou-me que, na infância, sentira extremamente a falta do pai, que se separara da sua mãe. A ausência foi tão sentida, que ele, tanto quanto com um Papai Noel, sonhava com a presença da autoridade paterna para castigá-lo quando merecesse. Era como que, instintivamente, soubesse do sábio adágio latino: "qui bene amat, bene castigat".
Pois bem, partindo dessa confidência, fiquei a imaginar que, não só toda criança, como também todo adulto, têm direito à punição, de acordo com o erro, desobediência e ilícito cometidos. Assim sendo, ainda no caso da criança, tem ela o direito de receber umas boas palmadas no bum-bum, quando fizesse malcriações, e de ser reprovada na escola, quando fosse um aluno relapso. Tudo diferentemente do tratamento dispensado àquelas crianças que apareceram seguidamente na televisão, praticando roubos e ameaçando funcionários de lojas da Avenida Jabaquara, em São Paulo, sendo detidas e conduzidas ao "Conselho Tutelar", onde destruíram livremente móveis, utensílios e documentos, para, em seguida, serem soltas e voltarem novamente à "cena do crime". Tamanho atrevimento jamais seria concebido na China.
Isso não é proteção ao menor, seja ele carente, ou não. Isso é conivência com a impunidade, ou punir mal, e grave omissão na obrigação de educar. Essa história de passar a mão na cabeça, mais tarde acaba na FEBEM, atual Fundação Casa, com motins e rebeliões, segue para as penitenciárias, com o uso de drogas, celulares e, ainda, ordenando delitos na área externa. Finalmente, com benefícios de redução de pena, cumprimento em regimes semi-abertos, ou abertos, saídas para visitas no dia das mães e festas natalinas, tudo retorna à estaca zero.
Entre nós, a tendência predominante é de arranjar desculpas para os erros, racionalizando-os, a fim de amenizar e mesmo relaxar a punição. O pobre, coitado, que nunca teve nada, pode furtar um veículo, sair dirigindo e desfilando na Avenida Paulista, para sentir-se "gente". O rico, que sempre foi mimado, quando lhe cortam as mordomias, pode furtar um veículo, para ir à balada, porque foi "mal acostumado". Ambos deveriam permanecer, como de direito, durante bom tempo dividindo a mesma cela, para refletirem sobre seus comportamentos.
Muitos pais e autoridades não punem seus filhos e suas crianças simplesmente por desleixo, ou negligência. Muitos pais e autoridades não punem seus filhos e suas crianças simplesmente por covardia, com medo de perderem afeto e simpatia. O mesmo ocorre entre adultos, onde os políticos desempenham o papel de pais e autoridades omissos e interesseiros, ora para não perderem votos, ora para ganharem.
Como as coisas não têm funcionado na base das obrigações, então, seguindo o acentuado modismo, a ordem é convertê-las em direitos, sem incorrer em nenhuma heresia. Juridicamente falando, se a cada obrigação corresponde um direito, a cada direito corresponde uma obrigação. O meu amigo, que na infância não usufruiu do direito de ser punido, ainda disse-me que, diante da enorme falta do comando paternal, teria bons motivos para, como adulto, seguir o caminho da rebeldia. Porém, fazendo o que poucos conseguem fazer, transformou aquela falta em alavanca para tornar-se um zeloso e bem sucedido pai, sem abrir mão do rigor necessário.
A proposta objetiva o reconhecimento e a normatização do direito de ser punido, que toda criança infratora e desobediente tem, aplicando-se igual princípio ao maior de 16 anos de idade, marginal e delinqüente, sem exageros, mas, sem piedade, na dose exata. O choro, em qualquer idade, nunca causou a morte de um ser humano. Seria curioso ver a realização de marchas pedindo respeito a esse direito, assim como políticos, dedo indicador em riste, aos berros, denunciando, das suas tribunas, violações ao mesmo direito !
Entre outras, constituiriam violações ao inalienável direito de ser punido: (1) a não divulgação de imagens fotográficas na imprensa, nítidas e de frente, dos infratores maiores, mormente quando presos em flagrante. Aos menores de 16 anos, assegurada a reeducação em reformatórios, esta regalia ficaria vedada, até completarem a maioridade penal. (2) A não exposição à execração pública de estupradores e pedófilos. (3) A ausência de, pelo menos, três representantes de famílias de vítimas de assassinato, na composição do júri popular, para julgamento de autores de homicídios dolosos.