Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Um teste eficaz para identificar o nível de cristandade de uma comunidade é observar as pessoas enquanto caminham - especialmente nas ruas ou lojas de grande movimentação. Raras são as pessoas que desviam a trajetória no momento de encontrar um outro cristão pela frente. Todas estão concentradas demais na sua própria pressa - e então, trombam.
Também é de se duvidar da salvação da alma daqueles que recusam todo e qualquer panfleto que é oferecido nas ruas - na maioria das vezes, oferecido também por um cristão. Algumas pessoas dão a impressão de que pegar um panfleto significa concordar com a vinda do Anti-Cristo. Outras, de tão distraídas, nada enxergam.
É também por esse motivo que os mendigos passam tão despercebidos. Ora, temos tanta pressa, andamos tão distraídos e não gostamos nem um pouco de ser interrompidos por gente que quer dinheiro e cheira mal. E também não ousamos encarar o olhar do mendigo: ele nos constrange. Talvez porque nos lembre que somos cristãos.
Fome
Eu esperava o ônibus no Terminal Guadalupe, em Curitiba. Um homem se aproximou do senhor que liderava a fila e tentou convencê-lo a dar algum dinheiro para comprar um pouco de pão. Chegou a dizer que, se fosse necessário, comeria o pão na sua frente, só para provar que era comida que buscava. Ora, mas o velho não ouviu nada: virou o rosto assim que o pedinte falou em dinheiro. O homem desistiu, resmungou e aproximou-se de mim.
Olhei para aquele homem jovem e mal vestido e procurei enxergar um sinal que revelasse a sua honestidade. Não chegando a nenhuma conclusão, limitei-me a dizer que não tinha dinheiro trocado comigo. Sua reação foi um educado agradecimento. Atrás de mim estava uma jovem que logo despachou o pedinte com o infalível argumento de que "se eu tivesse algo, com certeza ajudaria". O homem agradeceu mais uma vez e continuou a sua busca.
A próxima da fila era uma mulher que não quis manter o clima de serenidade. Ela também se recusava a olhar para o mendigo - fazia questão de ignorar a sua presença. Ora, diante disso, o homem revoltou-se e começou a tratá-la com insolência. Ainda mais depois que reparou no conteúdo da sacola que a mulher carregava.
- Olha só! Você tem pão aí nessa sacola!
- Tenho! É pros meus filhos! Vá trabalhar que você vai ter também!
- A senhora um dia vai precisar pedir que nem eu. Te rogo uma praga!
- Pois rogue que ela volta pra você!
- Então já voltou. E eu te mando de novo!
E continuaram a discussão por algum tempo, até que o homem finalmente se afastou. A mulher, vendo-se livre do mendigo, virou-se para nós e começou a se queixar de tamanho atrevimento - mas nós ignorávamos a sua presença. Logo apareceu entre nós uma senhora vendendo doces. "Ele devia fazer como a senhora", disse a mulher. E como àquela hora a sua fome era insuportável, ela abriu a sua carteira e comprou alguns doces.
Ao meu lado, a jovem que só não ajudou porque não tinha dinheiro virou-se para a senhora e, sem o menor constrangimento, disse que também iria querer. Era um domingo à tarde e fazia sol. A jovem ainda me perguntou as horas. Faltavam três minutos para as quatro e nós tínhamos um grande problema na nossa vida, porque aquele ônibus não chegava nunca.