Em três páginas que chegaram na tarde desta quarta-feira à mesa do delegado Gustavo Henrique Gomes Baptista, em São Bento do Sul, está descrita uma série de atos cruéis que levaram à morte de Ana Bely Gomes de Freitas, de um ano e quatro meses, enterrada nesta terça-feira, em Campo Alegre, no Planalto Norte de Santa Catarina.
O laudo comprova que a menina tinha vários hematomas pelo corpo, resultado de diferentes momentos de agressões ou castigos físicos. Por causa disso, a Polícia Civil tem, agora, a mãe da menina, Sirlei de Fátima Lima, 36, como alvo.
Depois de polícia prender Luciano Antônio da Silva, 29, em flagrante por ter torturado, agredido e matado Ana Bely a investigação continua, principalmente com a chegada do laudo. O documento revela que a criança tinha hematomas nas orelhas, na cervical, queimadura dentro da boca (provavelmente por cigarro) arranhões, e várias regiões arroxadas pelo corpo.
A reportagem teve acesso também às fotos que fazem parte do inquérito. As imagens mostram queimaduras no dedo mindinho da mãos e dos pés. Segundo o laudo, a menina teve perda de 50% da pele nesses dedos.
— O suspeito queimava a menina na chapa do fogão à lenha — completou o delegado.
Essa e outras marcas antigas, de duas ou três semanas, fizeram as atenções se voltarem para a mãe da menina.
— Vamos investigar se houve omissão relevante da mãe. Se isso ficar comprovado, ela também vai ser indiciada por tortura. Até porque há várias lesões, algumas não tão recentes. Ou seja, ela sabia que a filha estava sendo agredida e não tomou nenhuma providência — explica Gustavo.
Depoimentos de amigos, vizinhos, de alunos da escola onde os filhos maiores estudavam e de familiares será fundamental para identificar se a mãe omitiu socorro à pequena Ana Bely.
A mãe foi procurada em casa, mas a reportagem não a encontrou.
Diretora da escola está preocupada
O menino de quatro anos, irmão de Ana Bely, estudante da Escola Municipal Carlos Adolfo Frederico Schneider, não foi à aula ontem. A diretora Célia Queiroz está preocupada, além da perda da irmã, com o comportamento do aluno.
Célia conta que a criança disse para ela no velório de Ana Bely que "a Belinha", como ele a chamava, "morreu porque queria mamar".
A diretora revela ainda que no início do mês o menino fez xixi nas calças, sinais de que algo como agressão ou abuso podem estar ocorrendo em casa.
— Ele nunca fez isso. Ficava nervoso. Dizia que ia para casa e quando eu via, estava escondido atrás da escola.
Pai biológico procurou conselho
Em Campo Alegre, não havia nenhuma denúncia de maus-tratos contra a pequena Ana Bely. Não há boletim de ocorrência registrado nem mesmo no Conselho Tutelar. Mas o delegado revela que o pai biológico de Ana Bely procurou o Conselho Tutelar para fazer uma denúncia de abandono março deste ano.
— Ele teria dito que a mãe estava deixando os filhos dele (a menina de um ano e o menino de quatro anos) sozinhos em casa, mas não falou de maus tratos — afirmou o policial.
O Conselho Tutelar teria ido até a casa de Sirlei. Mas a mãe teria dito que eles estavam na escola. Com essa resposta, o caso foi encerrado e quem foi verificar o fato voltou para a unidade acreditando apenas na versão dita pela mãe.
— O conselho não realizou nenhum atendimento específico no sentido de averiguar se a criança estava sofrendo agressões — disse o delegado.
O Conselho Tutelar de Campo Alegre foi procurado, mas a presidente não quis falar sobre o assunto. Por enquanto, como não há nenhuma prova contra Sirlei, o delegado informou que os outros três filhos — de 18, 16 e quatro anos —, permanecem com a mãe.
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