Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Quando eu voltava de meu trabalho no hospital, às vezes eu aparecia numa lanchonete. Fazia um rápido lanche e logo saía para fazer alguma coisa no Centro de Curitiba. E, normalmente, eu era atendido por uma morena baixinha e irritada, cheia de modos indelicados. Ela ouvia com impaciência o pedido dos clientes e os atendia de forma apressada.
Bastante insatisfeita, recolhia os pratos e o lixo que deixávamos em cima das mesas. Ela nem mesmo respondia aos "obrigado" que dizíamos quando trazia o nosso pedido. Apesar de tudo, imagino que os outros clientes sequer percebiam a sua insatisfação - estavam compenetrados demais em si mesmos. Eu, que só sei observar, era o único a perceber.
Entendi que, para ela, estar ali era um drama. Na medida do possível, tentei tornar as coisas mais fáceis para ela. Ao chegar no balcão, eu já estava com o pedido decidido. Nada de escolher na hora, deixando-a impaciente. Eu também previa todas as perguntas: "Um x-salada e um guaraná. Qualquer guaraná. De garrafa. Para comer aqui". E ela me atendia e eu não dizia obrigado.
Mas houve um dia em que apareci por lá e ela não estava - nem na vez seguinte, e nem em todas as outras. Gosto de pensar que, finalmente, ela conseguiu arrumar um trabalho em que pode fazer aquilo que gosta. Talvez até aquilo para que tiver talento. Mas temo que ela tenha sido apenas demitida, e que ainda precise fazer muita coisa aborrecida para sobreviver.
Desemprego
Podia ser pior. Ela podia ser jornalista. Nas grandes cidades, as vagas para jornalistas só aparecem quando um profissional morre - e, mesmo nesses casos, há tanta gente se candidatando que mais fácil é passar num concurso público. Pouco depois de me formar, passei um ano desempregado, e tão sem perspectivas, que resolvi me tornar imigrante em Brasília.
Cheguei a mandar duzentos currículos no intervalo de dois meses - depois eu perdi a conta. E para nenhum - repito, nenhum - fui sequer chamado para uma entrevista. Candidatei-me para várias vagas que não tinham nada a ver com jornalismo, e também cogitei por diversas vezes dispensar de vez a minha formação e arrumar um pacato emprego no mercado do bairro.
Creio que não seria o único, pois há algum tempo saiu uma notícia destacando a grande quantidade de pessoas com curso superior, alguns até com pós-graduação e mestrado, que tentavam passar num concurso para garis. Há alguma coisa muito errada com a entrada desses universitários no mercado de trabalho, e tudo que posso fazer, por enquanto, é me agarrar ao emprego que, afinal, consegui.
Trabalho na roça
Eu devia ser lavrador. Tive um antepassado que colhia “duzentas mãos de milho e nove alqueires de feijão” e tinha “de renda cem mil réis”. Hoje, compro tudo industrializado, e nem ao menos sei dizer o que vem a ser uma mão de milho, nem quanto mede um alqueire, seja de feijão ou de outra coisa.
Sou uma pobre criatura urbana, que vive coisas urbanas, trabalha em coisas urbanas, e aspira coisas de cidade grande. Mas lá no fundo resiste um sentimento, tolo, genético, um desejo de roça, de viver para o sustento. Um desejo tolo e impossível de fazer o que é realmente necessário.
Saudações!