A reportagem do Jornal do Almoço flagrou professores de escolas públicas em Santa Catarina que compraram certificados de cursos de aperfeiçoamento para participar de processos seletivos e de progressão de carreira. A equipe comprou dois certificados para comprovar a fraude. Os títulos serão entregues ao Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).
Para participar de uma seleção de contratação temporária, é preciso realizar uma prova escrita e outra de títulos. Quanto mais qualificação, mais pontos na seleção. Os melhores posicionados tem direito, entre outros benefícios, a escolher a escola, turma e horário de trabalho.
"Quando a gente questiona esse assunto e fala que não é certo, não acho justo, todo mundo diz: é normal", conta uma professora de uma escola de São José, na Grande Florianópolis. Segundo ela, outros professores oferecem a venda de curso de formação continuada nas próprias escolas.
"Uma compra direta. A gente escolhe a área, paga o valor, que é correspondente a carga horária, e na semana seguinte recebe o certificado. Muita gente diz que nem estuda, sempre tem uma boa colocação porque compra o curso, tem sua vaga garantida", denuncia a professora.
Compra facilitada
A reportagem procurou uma professora suspeita de vender certificados. Por telefone, ela confirma que realiza o comércio. "Tudo certificado do MEC, tá? O pessoal está fazendo de 300 horas porque os municípios estão pedindo 300, 250. Eu vendo desde 2010, aqui em São José, nunca deu problema".
Eu até brinco: coloca uma folha branca embaixo do travesseiro e uma caneta. Tu acorda e o trabalho está pronto" professora que comercializa certificados
A professora ainda conta que foi diretora-adjunta do colégio municipal Maria Luiza de Melo, conhecido como 'Melão', que conta com 2,3 mil alunos e 150 professores. Ela realizava a venda no local. "Ali no Melão já vendi mais de 200 para a galera, para toda rede, sabe?", falou à reportagem.
"95% não quer fazer o curso. Aí eles pagam R$ 25 pra fazer o curso. Eu tenho outra menina, ela faz.e no final eu te entrego. Aí vem teu nome, o curso, quantidade, o valor, tudo", disse a professora.
A própria professora confessou ter fraudado o próprio certificado. "Eu garabito português, mas eu zero conhecimentos gerais porque não sou daqui, sou gaúcha. E eu faço todo ano o processo seletivo, e isso eleva bastante a minha classificação, tá? Eu até brinco com as gurias, coloca uma folha branca embaixo do travesseiro e uma caneta, e tu acorda o trabalho tá pronto", conta.
Professores efetivos também estariam comprando certificados, mas para aumento de salário. Cada certificado tem um carga horária e quando o professor acumula um número fixo de horas de curso, ele recebe um aumento, uma progressão na carreira.
A RBS TV procurou os dois professores mostrados na reportagem vendendo os certificados. O professor não foi localizado e não retornou às ligações. A professora não quis se manifestar.
Reportagem comprou certificados sem ter realizado cursos (Foto: Reprodução/RBS TV)
Reportagem compra certificado
A reportagem da RBS TV encomendou um certificado na área de Educação Especial, com a justificativa de usar no processo seletivo para ACTs do governo do estado, lançado no fim de julho. O edital diz que, para prova de títulos, só valem cursos feitos até 30 de junho. A compra ocorreu em 1º de agosto, mas o documento foi assinado com data retroativa.
"Alguns (professores) querem uns 15 dias retroativos porque o concurso do estado é dia 24. Então vamos fazer esse curso como se nós tivessemos feito antes, no dia 16 de junho", diz a professora.
O documento veio em nome de uma pessoa da reportagem da RBS TV, quem emitiu foi o Centro de Valorizacao e Capacitaçãoo Profissional (Cevcap), curso de Balneário Arroio do Silva, no Sul do estado.
O diploma do Cevcap veio com endereço da escola onde não está a sede. A reportagem descobriu que o local era onde o dono do centro morava, mas já havia se mudado. O diretor do local foi encontrado em outro lugar.
O diretor da Cevcap cursos, Walter Alves, afirma que o certificado é autêntico, mas não foi vendido diretamente pela escola. "Esse certificado foi adquirido através de uma representante nossa. Chegando pra nós a atividade é liberada a certificação", disse.
Junto ao certificado, foi entregue uma apostila. No documento, havia uma tese de douturado de uma professora do Paraná. A professora foi procurada pela reportagem, que confirmou a autoria. "Ele não pediu autorização. O que eu leio aqui é tudo da minha tese, inclusive as referências. Isso é um roubo, um plágio muito sério", disse a autora.
Denúncia foi surpresa para autoridades
Ao vivo no Jornal do Almoço, representantes das secretarias municipais de Educação de São José e Florianópolis, bem como da secretaria estadual de Educação, disseram estar surpresos com a denúncia de compra de certificados.
A gente vai fazer uma análise da situação, já que teve essa evidência, para a gente busque uma nova alternativa de controle nesta situação" diretor de gestão de pessoas da secretaria estadual de Educação, Valdenir Kruger
“A gente vai fazer uma análise da situação, já que teve essa evidência, para a gente busque uma nova alternativa de controle nesta situação", disse o diretor de gestão de pessoas da secretaria estadual de Educação, Valdenir Kruger.
A gerente de articulação de pessoal da secretaria de Educação de Florianópolis, Gisele Pereira, informou que a situação do profissional denunciado será apurada. "Será encaminhado para a assessoria jurídica para [abrir] o processo de sindicância, processo administrativo disciplinar e, em paralelo, encaminhar para o Ministério Público”, disse Gisele.
Em São José, a secretaria informou que será feito o mesmo procedimento administrativo. "Nós podemos somente agir no momento em que houver uma denúncia. Fica difícil para a secretaria, sem ter o conhecimento, avaliar os certificados uma vez que é feito via prova de títulos pela empresa terceirizada”, disse a secretaria de Educação de São José, Daniela Fraga da Silva.
"Gostaria de recomendar principalmente aos educadores de Santa Catarina que sempre que houver uma percepção nas unidades escolares [de fraude], que registrem o fato na secretaria de Educação, para que a gente possa tomar uma resposta para essa situação envolvendo o Ministério Público nesta situação, para minimizar esses atos”, completou o diretor da secretaria estadual.
http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2016/10/professores-compram-titulos-para-participar-de-selecao-de-acts-em-sc.html