Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Foi ontem, no final da tarde, que eu escrevi uma carta. Arranquei uma folha de caderno, peguei uma caneta e comecei a escrever. No topo, coloquei o nome da minha cidade e a data em que escrevia - em que escrevia uma carta. Minha letra não era bonita, mas achei que você iria gostar de ver que, afinal, era minha.
E então comecei a escrever uma porção de coisas, mas nada que fosse urgente - você só irá ler daqui a uma semana. Mas eram coisas tão importantes e bonitas que achei necessário escrever - e sei que você lerá várias vezes, e ficará admirada porque recebeu uma carta, e que dizia tantas coisas que a gente nunca teve tempo de dizer.
Foi assim que terminei de escrever a carta. Dobrei a folha com cuidado e a coloquei dentro de um envelope. Nele, escrevi o seu nome - achei exagero colocar o seu apelido carinhoso. É inacreditável, mas aquilo que eu escrevi aqui, na minha mesa, no final da tarde de ontem, irá chegar às suas mãos - a mesma folha, o mesmo envelope e as mesmas palavras.
Acho que você perceberá o que tudo isso significa. E então, a nossa carta terá se transformado em um pequeno tesouro, e você irá guardá-la com todo cuidado e, aconteça o que acontecer, não vai querer se desfazer dela. E tudo isso apenas porque ontem, no final da tarde, eu resolvi escrever uma carta - e ela me custou míseros R$ 0,65 - sessenta e cinco centavos.
Escrevem-se cartas
É curioso que ainda exista gente que mande cartas. Uma colega foi enviar uma e se surpreendeu ao ver que não era a única. Quando comentou o caso, outros se manifestaram: também mandavam cartas. Talvez isso signifique que realmente não temos dito muita coisa importante pelo celular, por e-mail e pelo MSN. E que a carta talvez seja o melhor meio de tornar a nossa ternura mais real - uma ternura sem pressa.
Carta à Europa
Os Fendrich vieram ao Brasil através de uma carta - meio mentirosa. A família Zipperer já estava em São Bento e escrevia cartas para os seus parentes na Europa. Nelas, comentavam que, ao contrário da Boêmia, a caça e a pesca podiam ser exercidas livremente no Brasil.
Diziam que ninguém pagava pelo ensino e médicos. Impostos também não existiam. Ninguém dizia, no entanto, que a caça e a pesca eram muito escassas e que sequer havia escolas e médicos para serem pagos. Os Fendrich e outros se deixaram seduzir e imigraram.
Carta à Europa II
Os primeiros imigrantes eram analfabetos e não podiam enviar cartas. Josef Zipperer sabia escrever e enviava por eles. Existe uma que a família Jelinsky escreveu aos seus parentes na Europa. Nela, eles se queixavam: "Já escrevemos duas cartas, mas sem termos recebido resposta, e assim escrevemos a terceira". Como era difícil se comunicar naquela época!
Hoje em dia, a família Jelinsky trocaria recados no Orkut. A imigração significava uma separação quase eterna: "Esperamos que vocês não nos esqueçam após tanto tempo (...). Ou será que vocês não querem mais nos escrever? Pois faz tanto tempo que não mais escreveram, e nada mais soubemos de vocês!".
Coluna
Reparando bem, uma coluna no jornal, vinda de longe, nada mais é do que uma carta. Nela, eu falo sem pressa das minhas novidades, demonstro meu afeto e mato minha saudade.
Brasília/DF, 2 de novembro de 2010