Outro policial militar, que estava numa viatura, também disse à investigação que atirou em direção ao veículo após ter visto um "clarão", que identificou como "um disparo de arma de fogo". Mas o laudo de balística da Superintendência da Polícia Técnico-Científica concluiu que o tiro que atingiu a cabeça da criança partiu da pistola .40 do soldado de 25 anos do Rádio Patrulhamento com Motos (RPM).
O advogado Marcos Manteiga, que defende os policiais, disse ao G1 que seus clientes identificaram essa luz como sendo de um disparo de arma de fogo e, por isso, revidaram para se defender.
"Os depoimentos deles comprovam que o menor atirou contra eles, que atiraram em legítima defesa", disse Manteiga. "Além disso há outras provas".
Segundo o advogado, uma dessas provas é o áudio da gravação do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) que mostra a conversa com outros dois policiais. Eles estão numa viatura falando que alguém dentro do Daihatsu furtado estava atirando neles _usaram a expressão "jogou pra cima".
Manteiga afirmou que os policiais seguiam o carro que era guiado de maneira suspeita. "Eles ainda não sabiam que o veículo havia sido furtado", disse o advogado.

As declarações dos policiais que dispararam estão nos depoimentos que eles deram ao Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) e que foram obtidos pelo G1.
Cada policial atirou uma vez. A criança que morreu dentro do automóvel tinha furtado o Daihatsu de um prédio no Morumbi, na companhia de um amigo de 11 anos _que foi apreendido.
Quando declarou que atirou após ver um "clarão acompanhado de um estampido", o policial contou que não sabia que dentro do veículo estava uma criança. Falou ainda que não mirou e "entrou em estado de choque" ao saber que havia atingido um garoto. E que "constatou a presença de um revólver calibre 38 caído no assoalho defronte ao banco do motorista".
O G1 também teve acesso a mais dois depoimentos de policiais que participaram da perseguição ao veículo, mas não atiraram. Um soldado, que estava na viatura junto com seu colega de farda que atirou, declarou ao DHPP que "pode visualizar no interior daquele veículo que identificou como sendo um disparo de arma de fogo".
Outro soldado, que estava numa moto, afirmou que viu a porta do carro aberta quando chegou. Contou que dentro do veículo o garoto "estava deitado de barriga para cima, com a cabeça no bando do bassageiro, ainda com vida".
Esses depoimentos sustentam agora que os policiais atiraram durante a perseguição policial ao carro furtado após serem recebidos a tiros. As declarações divergem, no entanto, da informação inicial que os mesmos policiais deram no boletim de ocorrência do caso, registrado no DHPP, no dia em que o menino foi morto.
Naquela ocasião, a primeira versão dos policiais dizia que o veículo furtado bateu num ônibus e num caminhão, até parar. Nesse momento, haviam contado que alguém atirou dentro do automóvel e eles revidaram.
"Prosseguindo, abalroou a traseira de um caminhão que estava parado e ali
permaneceu imobilizado. Neste momento o condutor do veiculo efetuou mais um
disparo na direção dos policiais, havendo imediato revide", informa trecho do boletim de ocorrência feito no Departamento.
Os policiais "declararam ter efetuado um disparo cada um. O condudor do veículo foi atingido e tombou ferido", continua o registro policial no DHPP.
Veja abaixo trechos do que disseram cada um dos policiais militares ouvidos:

PMs que estavam na moto
Soldado, de 25 anos, que atirou e matou o garoto:
O policial militar afirmou que por conta do congestionamento, no cruzamento da Rua Clarindo com a Rua Jose Ramon Urtiza, assumiu a perseguição sozinho. Viu o veículo bater em um caminhão durante a ação. Quando percebeu que conseguiria ficar emparelhado com o carro dos suspeitos, sacou a arma “a fim de se defender de um possível agressão”.
No depoimento, ele disse que “quando ficou lado a lado com o veículo viu um clarão acompanhado de um estampido, momento em que efetuou um disparo com sua pistola na direção de onde vinha aquele clarão.” O policial revelou que “efetuou esse disparo sem realizar a visada, sem mirar efetivamente no alvo, de forma a proteger sua integridade física e repelir a agressão.”
Logo após atirar, o policial contou que derrapou com a moto, e caiu no chão. Levantou com a arma em punho e foi até a janela do motorista. Neste momento, foi orientado por outros policiais militares que já tinham chegado ao local, que saísse dali. Ele afirmou que quando viu que o suspeito atingido pelo tiro era uma criança “ficou em estado de choque”.
O policial ainda disse que constatou a presença de um revólver calibre 38 caído no assoalho em frente banco do motorista e diz só pegou a arma quando o tenente solicitou que fosse feita “a contagem de quantas capsulas haviam sido deflagradas”. Ele também informou que um segundo menor estava no banco traseiro, e foi orientado a descer pela porta dianteira. O garoto teria ficado sob os cuidados de um outro policial, no interior de uma drogaria.
Soldado (idade não revelada) que não atirou:
Disse ter recebido a informação de que suspeitos haviam atirado em uma viatura envolvida na perseguição. Participava da ação junto com outro policial, também de motocicleta.
Afirmou ter ficado para trás em um determinado momento, e que, quando conseguiu alcançar o colega, o viu com a arma em punho, em pé, diante da lateral do veículo furtado. Disse não ter visto o momento da colisão em um caminhão tampouco os disparos.
Quando chegou ao local da ocorrência, o veículo furtado já estava com a porta do motorista aberta, e viu que havia um menino ferido. Também afirma ter notado a presença de um revolver no assoalho do carro.
PMs que estavam na viatura
Soldado, de 31 anos, que também atirou:
Relatou que participava de patrulhamento de rotina quando recebeu a informação da perseguição. Depois, foi informado que os suspeitos haviam atirado contra a viatura que envolvida na ação. Por estarem próximos ao local, efetuaram o bloqueio da Rua José Ramon Urtiza, na tentativa de fechar o transito e facilitar a captura. Disse ter saído da viatura para orientar o trânsito já com a arma em punho.
Contou que na sequência, seguiu pelo canteiro central indo ao encontro dos suspeitos, que vinham em alta velocidade. Ele afirmou que se abrigou ao lado de um caminhão parado no congestionamento. O policial ainda contou que os suspeitos colidiram no caminhão onde estava abrigado e, devido ao impacto, "teve seu corpo lançado para sua direita".
Para tentar se proteger, correu para a calçada e no momento em que visualizou um “clarão no interior do automóvel”, e efetuou um disparo. Ele informou, porém, que não ouviu os disparos feitos por quem ocupava o veículo.
Depois, disse ter visualizado uma criança no interior do veículo e, em seguida, notou outro menor ferido.
Soldado, de 31 anos, que não atirou:
Disse que estava na viatura junto com o policial que atirou. Contou que bloqueou a Rua José Ramon Urtiza, na tentativa de fechar o transito e facilitar a captura. Afirmou que o veículo furtado descia a via em alta velocidade e colidiu em um caminhão. Relatou também que os suspeitos tentaram jogar o veículo em cima de um policial que participava da perseguição de motocicleta.
Alegou ter visto um clarão logo após a colisão, mas afirmou que não ouviu os disparos feitos pelos outros dois policiais “tendo em vista o alto nível de ruído no local”.
Depois, ao se aproximar do carro, notou que um policial fazia a “segurança” de um menino que já havia desembarcado, e viu outro garoto deitado de barriga para cima, no banco do motorista, ferido. Também afirmou ter notado a presença do revolver no assoalho do automóvel.
Seis PMs investigados
Ao todo, seis agentes participaram da ação que resultou na morte do garoto. Além dos quatro policiais militares ouvidos pelo DHPP, mais dois outros PMs prestarão depoimentos no Departamento que investiga se eles agiram em legítima defesa, como alegam, ou se executaram a vítima.
Questionado pela equipe de reportagem a respeito da mudança de versões dadas pelos PMs, o advogado Marcos Manteiga, que defende todos os agentes, respondeu que "não se trata de mudança, mas de detalhes para esclarecer melhor o caso".
Os policiais que faltam ser ouvidos pela Polícia Civil são os que aparecem num áudio gravado pelo Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) falando "jogou pra cima" durante o acompanhamento ao Daihatsu furtado de um condomínio no Morumbi. Na terça-feira (13), oG1divulgou trechos dessa conversa e o chamado de uma mulher ao Copom para dar queixa do carro furtado.
Todos os seis policiais envolvidos na ação que resultou na morte do menino estão afastados das ruas, cumprindo expediente administrativo na Corregedoria da Polícia Militar (PM). A Corregedoria apura se eles cometeram irregularidades durante a abordagem.
As pistolas .40 que todos os PMs usaram no dia da perseguição foram apreendidas e passaram por análises periciais. A arma atribuída ao menor no suposto confronto também foi levada para testes. Exames mostraram que havia pólvora nas mãos da criança morta.

Reconstituição
Ainda na terça-feira, o SPTV divulgou novas imagens da perseguição policial ao veículo furtado. Elas podem ajudar a investigação a concluir o inquérito sobre a morte do garoto. O DHPP deverá realizar uma reconstituição do caso após ouvir todos os policiais.
O Deparmento também estuda a possibilidade de ouvir novamente o garoto de 11 anos que foi apreendido após furtar o carro com o colega que foi morto pela PM. O motivo é o fato de ele ter dado três versões diferentes para o caso. Ele só manteve a confirmação de que furtou um veículo com o amigo morto.
Na primeira versão, no boletim de ocorrência, o menino manteve o que os policiais haviam dito inicialmente (que o amigo atirou contra os agentes, que revidaram e o mataram). Na segunda, ao DHPP, alegou que os agentes executaram seu amigo (que teria atirado contra os PMs, mas parou assim que o carro bateu. Só que no entanto os agentes dispararam mesmo assim). E na terceira, à Corregedoria da PM, contou que ele e o amigo não estavam armados e o outro menor foi assassinado (os PMs 'plantaram' uma arma para justificar a morte do colega).
O garoto de 11 anos, sua mãe e três irmãos querem entrar no entrar no Programa de Proteção à Criança e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). Ele contou que foi agredido e ameaçado de morte pelos PMs.
Esse menino ainda aparece num vídeo, supostamente gravado pelos policiais, dizendo que a Polícia Militar salvou sua vida. As imagens estão sendo analisadas pela investigação para saber se ele foi coagido pelos agentes a prestar as declarações.