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Henrique Fendrich

rikerichgmail.com

Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)

Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF


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Uma última ironia

Quinta, 26 de novembro de 2015

 

Pareciam aulas de religião – vez ou outra esbarrávamos na questão da existência de Deus. Pode-se dizer que éramos conduzidos nessa direção, pois, de certa forma, ele nos doutrinava nas sagradas escrituras de Richard Dawkins e Carl Sagan. Não que nos deixássemos convencer tão facilmente. Quando perguntou à turma quantos ali não acreditavam na teoria da evolução, enxergou, terrificado, uma porção de mãos levantadas. Reagia com a sua costumeira ironia, o que, não raro, deixava ofendidos. E tinha início então um interminável debate teológico que apenas superficialmente lembrava que aquela era uma aula de Metodologia Científica destinada aos pobres estudantes de Jornalismo às vésperas de um TCC.

Quando assisti ao “Deus não está morto”, foi impossível não associá-lo ao professor do filme. Mas este era muito mais tirano e mal humorado do que ele. O nosso jamais mandaria que assinássemos um atestado de óbito divino: preferia que discutíssemos exaustivamente a questão, contemplando todos os argumentos à luz da lógica e da razão. Desse esforço haveria de sair alguma conclusão, já que não admitia a visão relativista de que cada um tem a sua própria verdade. E o homem também não era nada chato – ao contrário, a gente se divertia pacas nas aulas.

Mas também, com o tanto de história que ele tinha para contar! E ele sabia contar, e contava de um jeito tão engraçado, e salpicava as histórias com tanta ironia, que até quem não ia com a cara dele prestava atenção. A começar pela história da sua entrada no jornalismo, para a qual há duas versões: uma diz que ele estava na fila para a inscrição no vestibular e, ainda indeciso, perguntou à atendente “Você acha que eu tenho cara de quê?”; a outra dá a entender que escolheu o jornalismo porque assim escaparia do destino de carpir roça em Ponta Grossa. E nos contava também muitas histórias do submundo do jornalismo na sua cidade natal, com destaque para aquela em que, querendo averiguar se a prefeitura estava mesmo dando um sumiço nos mendigos, transformou-se ele próprio em um deles (foi levado e largado em Curitiba).

Gostava de mim, achava que eu não era jornalista para trabalhar nesses jornais “provincianos” do Paraná e dizia que o meu destino era o Washington Post. Brincava que, depois da minha aprovação no TCC, iríamos encher a cara no Bar do Alemão – também era essa a sua ascendência. Um dia me emprestou a sua mãe, que, pela lei das compensações, é uma católica fervorosa. Ela me ofereceu um almoço e não deixou de reparar que eu me parecia muito com seu filho 15 anos antes. Até mostrou foto.

Não tornei a vê-lo depois que me formei, de modo que ele também não soube que nunca estive tão longe do Washington Post e do novo ateísmo. Mas eu ainda consigo perceber influências suas no meu pensamento e na minha maneira de argumentar. Lembro-me com frequência daquelas aulas e acho realmente uma lástima que ele tenha tido exatamente o mesmo fim do professor de “Deus não está morto” – spoiler: tirando aquela conversão de última hora. Aos 38 anos, ele foi atropelado. E, como uma última ironia, expirou no Hospital Evangélico.



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