Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Há quem conheça o futebol apenas pela televisão, sem nunca ter ido a um estádio. Eu tive a felicidade de ir a um estádio sempre que quis, e inclusive era um dos protagonistas das partidas. Isso porque o estádio ficava lá em casa mesmo: um grande campo de futebol de botão, feito de madeira, herdado do meu pai.
Não era um campo desses que a gente vê no interior, com grama ruim, cheio de buracos e uma porção de terra na frente do goleiro. Era tão profissional que as laterais dele eram preenchidas com anúncios de refrigerantes, cervejas, automóveis, bancos - tudo caprichosamente recortado de alguma revista semanal.
Os goleiros, naturalmente, eram caixinhas de fósforo decoradas com papel de presente. No peito, ficava o distintivo do clube, e nas costas o número da camisa. Onze jogadores eram demais para o nosso estádio, então jogávamos com seis de cada lado. Um dos times que eu mais escolhia para jogar, não sei por qual motivo, era o Guarani de Campinas
Um craque do botão
Era um timaço aquele Guarani. Até o Biro-Biro jogava nele. O grande craque era um tal de Luís Müller. Usava a 9. Nunca fiquei sabendo quem era de verdade. Devia ser gente do sul. Não havia partida em que ele não marcasse ao menos um golzinho - e, em geral, um golaço. Era canhoto, suponho. Mas chutava com as duas pernas - uma de cada vez.
Sua cabeçada era mortal. O goleiro de caixinha de fósforo tremia quando se via diante dele. Não havia adversário difícil: Luís Müller aterrorizava até mesmo os zagueiros de Flamengo e Fluminense, dois times de botão tradicionalíssimos. Poucos sabem, mas a fase de ouro do Guarani aconteceu lá em casa. Por lá, nunca foi rebaixado.
Quase invicto
Até que um amigo de infância me prove o contrário, nunca perdi uma partida - a não ser para o meu pai, mas ele se aproveitava do fato de ter nascido duas décadas antes de mim. Com meus amigos, houve uma única derrota, até hoje bastante contestada. Lembro de faltas mal marcadas e gols que, de tão improváveis, certamente foram irregulares. Foi um 3 x 1 doído, sofrido. Uma zebra. Ferido, meu time quis revanche. E na partida seguinte, aqueles jogadores deram a vida em campo. Sem diminuir o ritmo, anotaram um histórico 11 x 1.
Só o futebol
Há algumas semanas, uma loja de bijuteria feminina na rodoviária de Brasília recebeu a maior quantidade de visitantes homens da sua história. Todos, naturalmente, bastante interessados em algo que não tinha absolutamente nada a ver com bijuterias: é que a loja era a única por lá que tinha televisão e, por coincidência, estava passando a disputa por pênaltis entre Flamengo e Botafogo, no Campeonato Carioca.
Já acompanhei partidas em estádio de futebol, torcendo para o sofrido Paraná Clube, inclusive em Libertadores, mas assistir aquela partida na loja de bijuteria causava uma emoção especial. O número de pessoas crescia rapidamente, gente de todos os tipos, e torcedores dos dois times se confraternizavam, faziam piadas como se fossem amigos, e por alguns momentos todos foram uma coisa só, fraternos e unidos como nunca.
Só o futebol tem sido capaz disso. É bom que não nos deixemos levar pelas notícias de violência entre torcidas: o futebol, apesar de tudo, ainda é camaradagem.
Saudações!