Jornal Evolução Notícias de Santa Catarina
Facebook Jornal Evolução       (47) 99660-9995       Whatsapp Jornal Evolução (47) 99660-9995       E-mail

Presos: mantê-los ou soltá-los – eis a questão

Quinta, 03 de março de 2011


 

Clique para ampliar
Delegada Ângela Roesler cumpre determinação judicial (Foto Elvis Lozeiko/Evolução/arquivo)
 

Só tê-los para sabê-los

 

São Bento – A delegada regional Ângela Roesler continua à espera de resposta do DEAP (Departamento de Administração Penal) para saber que destino dar a presos da Comarca.  Nossa reportagem conversou com ela na manhã de hoje, quarta-feira. Diante da decisão do juiz corregedor de Mafra, o presídio regional daquela cidade não recebe mais presos de Campo Alegre, São Bento e Rio Negrinho. Como a delegacia local possui apenas uma cela, chamada de “24 horas”, a permanência de presos na mesma é considerada ilegal e a delegacia não possui estrutura para vigilância e alimentação dos que ali ficarem detidos, por isso a necessidade de transferência para um presídio. Diante da proibição de Mafra receber novos presos da região, cabe ao DEAP determinar a remoção dos mesmos e o local de destino. De segunda-feira até a tarde desta quarta-feira, inclusive contrariando a lei, a delegacia de São Bento aguardou com um preso (acusado de tráfico) a decisão do DEAP, que, além de não responder aos questionamentos da delegacia, também não atendeu aos telefonemas.

Contrariando o que muita gente diz e prega sem conhecimento, aqui não se trata de a “Polícia prende e a Justiça manda soltar”. Ninguém vai levar preso para cuidar em casa. Trata-se apenas do cumprimento da lei. Se o Estado não oferece local adequado para manter os presos, os mesmos deverão ser colocados em liberdade. Para esta situação emergencial especificamente, o juiz criminal Cesar Tesseroli determinou que a delegada aguardasse por uma resposta do DEAP – que não chegou até a tarde desta quarta-feira, levando à liberação do mesmo (leia íntegra da decisão abaixo, enviada ao Evolução por volta das 16:30). Os casos ditos “ligths” (pequenas agressões e pequenos furtos) serão liberados sem mais delongas.

 

Clique para ampliar
Presídio Regional de Mafra não recebe mais presos de São Bento, Rio Negrinho e Campo Alegre (Foto Elvis Lozeiko/Evolução/arquivo)
 

O QUE DIZ O JUIZ CRIMINAL

            No início desta quarta-feira, por telefone, em uma deferência especial, conversamos com o juiz criminal Cesar Tesseroli. Ele se disse “muitíssimo preocupado” com a situação e que, até então, era o único responsável pela manutenção do preso (acusado de tráfico) detido na delegacia da Comarca. “Esperarei até amanhã, quinta-feira, por uma manifestação do Tribunal de Justiça, que terá uma reunião com as demais autoridades em Florianópolis para tratar da transferência dos presos da região. Sei que a situação não é só local. Problemas existem em todo o Brasil e só em Santa Catarina possuímos 15,3 mil presos ‘acomodados’ em 9,1 mil vagas”, revelou. “É uma sequência de governos sem investimentos na área de presídios. A população de determinadas cidades também erroneamente se posiciona contra e aí teremos que questionar o que é melhor”, continua.

“Malfeitores nas ruas ou um presídio seguro na cidade para mantê-los cumprindo pena?”, questiona o juiz. “Os presos também têm que ser tratados com o mínimo de dignidade e possibilidade de recuperação. Atualmente ficam amontoados em celas, não recebem assistência adequada, não têm ocupação e, além de estarem com sua liberdade restrita, passam por situações desumanas. Ficam como bichos acuados e quando retornam à sociedade não conseguem emprego e voltam à criminalidade. A sociedade que vota e elege os governantes tem que cobrar mais dos mesmos”, concluiu o magistrado, informando que a Promotoria de Justiça, dependendo do desenrolar dos acontecimentos, poderá entrar com uma ação contra o Estado.

 

A ÍNTEGRA DA DECISÃO

 

Estado de Santa Catarina

Poder Judiciário

Comarca de São Bento do Sul

3ª Vara

Autos nº 058.11.000848-8

Ação: Comunicação de Flagrante/Indiciário

Indiciado: Vitorino Mariano

 

Vistos para decisão.

Não é novidade para ninguém que o Brasil enfrenta problemas, e graves, na área da segurança pública. A taxa de homicídios, costumeiramente utilizada para medir o grau violência de um país, no Brasil é alta o suficiente para nos colocar entre as primeiras posições do ranking mundial, tendo ela subido cerca de 32% entre 1992 e 2007, superando 25 mortes para cada cem mil habitantes, o que indica violência endêmica. Aliás, segundo um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2004 o Brasil, com 2,8% da população mundial, registrou 11% das mortes por arma de fogo do planeta. E isso pouco deve ter mudado desde então, pois também o número de homicídios pouco mudou. Em outros tipos de delitos as taxas brasileiras igualmente são altas, levando o País sempre às vergonhosas primeiras posições. Roubo, tráfico de entorpecentes, furto e homicídio são os delitos que mais levam delinqüentes à prisão. Embora nos últimos anos tenha havido um crescimento econômico considerável e sempre alardeado nos meios de comunicações, o que fez com que um grande número de pessoas conseguisse ingressar na chamada classe média, tal desenvolvimento não correspondeu a um semelhante decréscimo da violência. Pelo contrário, só vem aumentando.

As pessoas de bem, atemorizadas, mudam sua rotina, investem em mecanismos de segurança, tomam diversas medidas para evitarem ser mais uma vítima dessa situação. Como resultado, o Brasil também aparece nas primeiras classificações no mercado de carros blindados e conta com um verdadeiro exército de cerca de 1,3 milhão de pessoas trabalhando como vigilantes privados. A par disso, as polícias não têm efetivo suficiente, faltam equipamentos, faltam treinamentos. Por consequência, estima-se que no Brasil apenas uma ínfima parte dos crimes ocorridos acabam em processos e nem todos, por óbvio, resultam em punição. A maior parte ou não é sequer comunicada, ou a polícia não consegue elucidar, ou cai em prescrição. O aumento da criminalidade, aliado ao aumento natural da população fez com que o número de presidiários mais que dobrasse nos últimos dez anos, saltando de 232.755, em 2000, para 494.237 presos em 2010 e se não fosse a precariedade das polícias, certamente esse número seria ainda maior. O sistema penitenciário, no entanto, é do conhecimento de todos, está falido há décadas e por culpa dos Governos Federal e Estaduais, que nele não investem o suficiente. O número de vagas é pequeno para o número de presos, gerando superlotação. Muitas unidades prisionais não apresentam condições de segurança e a quase totalidade tem condições sanitárias precárias. Violência entre gangues e motins deterioram o sistema prisional. Maus-tratos, tortura e fugas são corriqueiros.

Embora o Estado tenha o dever de dar assistência ao preso e ao  egresso, “objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” (LEP, art. 10), está longe de fazê-lo de modo satisfatório. Com isso, os presídios são hoje apenas depósitos de gente e a reeducação, que é também uma das finalidades da pena, não é atingida. Desse modo, o egresso não consegue se readaptar à sociedade, não consegue emprego, ainda mais que muitos empregadores exigem certidões de antecedentes criminais e torna ao crime, fazendo com que o percentual de reincidência entre os ex-presidiários também seja alto. O regime aberto, por outro lado, é algo que só existe na letra da lei. Essa situação se repete em todos os Estados-membros, inclusive em

Santa Catarina, onde temos tido, nos últimos anos, notícias de torturas de presos, de presos algemados em grades e colunas de cadeias públicas, de rebeliões e fugas, além da recorrente falta de vagas. Quanto a esta última situação, aliás, dados recentes indicam uma população carcerária de mais de 15.000 presos para uma capacidade de apenas 9.100 vagas, em Santa Catarina. Além disso, o sistema aqui dispõe de meia dúzia de penitenciárias e, salvo engano, apenas três estabelecimentos destinados ao regime semi-aberto. Assim, há muitos presos definitivos cumprindo pena em cadeias públicas, que são destinadas a presos provisórios, ou cumprindo pena do regime semiaberto em local inadequado para esse tipo de regime. Esse retrato demonstra que os governos, incluindo o Governo do Estado de Santa Catarina, que deveriam zelar pela guarda da Constituição e das leis, como estabelece o art. 23, inc. I da CF, não cumprem seu dever, pois “depositando” pessoas em estabelecimentos prisionais que sequer têm condições sanitárias, “depositando” pessoas em número maior que a capacidade do estabelecimento, não garantindo que o preso cumpra a sua pena no regime adequado, deixando de prestar a assistência suficiente para garantir o retorno do preso à sociedade, estão contrariando normas constitucionais e legais. A Constituição Federal prevê que todos os seres humanos, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil, condição social ou econômica e desvios morais, têm direito a: (a) não serem submetidos “a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5o, inc. III); (b) cumprir pena, quando condenados pela prática de delitos, “em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (art. 5o, XLVIII); (c) terem respeitada sua “integridade física e moral”, mesmo quando presos (art. 5o, XLIX).

O modo negligente com que o Poder Executivo trata a questão penitenciária fere, também, diversas disposições da Lei de Execuções Penais, dentre as quais as que prevêem que o preso tem direito a assistência material, que consistirá “no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas” (art. 12) e que “o estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade” (art. 85). A situação em que se encontram os estabelecimentos prisionais do Estado de Santa Catarina atentam, acima de tudo, contra um princípio fundamental da Constituição Federal, o da “dignidade da pessoa humana” (art. 1o, inc. III), que significa dizer que toda pessoa, pelo simples fato de “ser” humana, merece todo o respeito, independentemente de qualquer outro fator, conceito esse que não pode ser relativizado mesmo pelos desvios morais, pois é preciso distinguir entre o crime e o criminoso, punindo-se aquele, mas tratando-se este com respeito, inclusive enquanto estiver cumprindo a pena. É uma vergonha o que ocorre no sistema penitenciário de Estado de Santa Catarina e do Brasil. E quem paga o preço por esse descaso? Em primeiro lugar, o próprio preso, que sente diretamente os efeitos. Mas o caos também cobra a conta da população que elegeu os governantes negligentes, da sociedade que luta contra a instalação de presídios em suas cidades, daqueles que demonstram repulsa aos egressos e dos próprios órgãos e poderes do Estado que permanecem inertes diante da situação. Da sociedade e do Estado a conta é cobrada de diversas formas, inclusive com o aumento da criminalidade, resultante da não recuperação e do endurecimento do egresso, por conta da situação a que foi submetido.

E para a sociedade do planalto norte catarinense, outra forma agora se revela. Conforme já amplamente noticiado na imprensa, o Presídio Regional de Mafra apresenta sérios problemas sanitários e de segurança. Por conta disso, o juiz corregedor limitou o número de presos em 150, o que ainda assim corresponde ao dobro da capacidade. Portanto, aqueles que são presos em flagrante ou por ordem judicial neste município de São Bento do Sul já não estão sendo mais recebidos naquele estabelecimento, conforme demonstra a certidão juntada aos autos. O DEAP, por sua vez, que deveria zelar pelas vagas e, diante da limitação que agora se apresenta, colocar os segregados desta comarca em outros estabelecimentos, embora contactado, recusa-se a dar uma solução; sequer se digna a responder às solicitações por vagas, conforme também comprovado nos autos.

Na comarca não há cadeia pública e as delegacias contam com somente uma cela pequena, utilizada apenas para a contenção momentânea, sem qualquer condição de manter presos permanentemente. Desse modo, muito embora entenda preenchidos os requisitos prisão em flagrante e aqueles que autorizam a prisão cautelar, não há outra solução senão a soltura do acusado. Essa é a complicada, lamentável e vergonhosa situação a que chegamos: soltar pessoas que representam perigo à sociedade, porque o Governo do Estado de Santa Catarina não zela por seu sistema penitenciário e seus presos.

Posto isso, em obediência ao Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, consistente na dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), com base na garantia de respeito à integridade física e moral aos presos (art.5ª, XLIX, da CF) e na vedação da polícia civil em fazer as vezes de agente carcerário, a ela cabendo exclusivamente exercer as funções da polícia judiciária (art.144, §4º, da CF), RELAXO A PRISÃO de VITORINO MARIANO (art.5º, LXV, da CF).

EXPEÇA-SE ALVARÁ DE SOLTURA.

Cientifique-se a autoridade policial sobre esta decisão.

Intime-se o Ministério Público.

São Bento do Sul (SC), 02 de março de 2011.

Cesar Otávio Scirea Tesseroli

Juiz de Direito

 

 


Leia mais neste site

 

 - Polícia prende mas não tem onde manter os presos

 - Adote um preso e requeira o auxílio reclusão



Comente






Conteúdo relacionado





Inicial  |  Parceiros  |  Notícias  |  Colunistas  |  Sobre nós  |  Contato  | 

Contato
Fone: (47) 99660-9995
Celular / Whatsapp: (47) 99660-9995
E-mail: paskibagmail.com



© Copyright 2025 - Jornal Evolução Notícias de Santa Catarina
by SAMUCA