Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Como diria o Rubem Braga, ultimamente tem morrido muita gente – e pior, muita gente que não costumava morrer. Eu me lembro especialmente de dois, que tive a oportunidade de conhecer depois que já não viviam mais. Trabalhei no Hospital de Clínicas da UFPR por um ano e, entre outras coisas, atuava como fotógrafo. Isso significava que eu devia registrar eventos, solenidades, apresentações, doações... e eventualmente o necrotério.
Isso porque existem algumas pessoas que morrem e não deixam conhecidos. O hospital precisa fazer alguma coisa para encontrá-los. Por isso, eu produzia uma pequena nota para a imprensa e tirava fotos da pessoa, para facilitar a sua identificação – se fosse necessário. Não é uma das tarefas mais agradáveis. Minha única vantagem enquanto fotógrafo era saber que a foto não seria posada e que, por não ter movimento, tampouco sairia tremida.
Passei pela experiência duas vezes. Por coincidência, as duas pessoas eram figuras ilustres em suas áreas. O primeiro, Manoel Machado da Silva, o “Manoelito”, era um ciclista de 60 anos que estava no Guinness por ter batido o recorde mundial de quilometragem sob duas rodas. O segundo, Paulo Romeiro Marcondes Filho, era biólogo e foi um dos criadores do licor de Araucária. Apesar do destaque, nenhum deles tinha família.
A nota no jornal chamou a atenção de alguns amigos de Marcondes, incluindo um vereador de Curitiba, e então ele teve o seu sepultamento providenciado. Já Manoelito não era da cidade e não tinha conhecidos – ele apenas andava pelo mundo. Algum tempo depois, soube que também foi sepultado – não sei sob quais condições. Satisfeito com o fim do caso, eu voltei então ao meu egoísmo habitual. E fui viver a minha vida.
Causa mortis
Uma causa de morte comum entre os primeiros moradores de São Bento era “marasmo” – mas isso não significa que, já naquela época, faltavam opções de lazer na cidade. Marasmo é uma espécie de desnutrição. Deve se assemelhar à “fraqueza” e “debilidade”, outras causas que vitimaram muitos dos primeiros são-bentenses.
Vários morreram de mordida de cobra, e outros ainda de queda de árvores. Algumas causas eram curiosas: Francisco Czeslinsky morreu de esgotamento de sangue. Duas crianças da família Worell morreram de catarro no intestino. Houve quem se intoxicasse com álcool, quem se afogasse no tanque e até mesmo quem fosse atropelado, já naquele tempo.
Cemitério
Comecei no final de 2008 um trabalho de catalogação das sepulturas do Cemitério Municipal de São Bento. Muitas pessoas lá sepultadas hoje fazem parte do esquecimento eterno, e o principal motivo nem é o vandalismo, mas o descuido de familiares.
Coveiro
Lembro que em Lagoinha havia um único coveiro e ele foi proibido de trabalhar nos finais de semana. Ou seja, as pessoas ficaram proibidas de morrer nesses dias. O prefeito negou a história até a morte: ninguém estava proibido de morrer e, aqueles que assim desejassem, que se sentissem à vontade. O argumento da prefeitura era de que o serviço andava meio morto. Com isso, quem morria no sábado era sepultado já à época da Ressurreição.
Eleição
Eu até pensei em falar de eleição hoje, mas fiquei com medo que a coluna ficasse muito fúnebre.
Saudações!