Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Eu era criança e tinha alguns sonhos, daqueles que depois a gente cresce, a vida toma um caminho diferente e a gente nunca mais lembra deles. É impossível ser menino e não pensar em ser jogador de futebol. Também eu tive esse desejo, mas sempre foi uma coisa distante. Era muito mais imaginação do que um objetivo. O meu grande sonho mesmo, palpável e possível de acontecer, era bem mais simples: eu queria ser um motorista de ônibus.
Convenhamos, não é algo que as crianças costumam desejar. Acontece que na rua em que eu morava, lá na ventosa 25 de Julho, também moravam três motoristas de ônibus - um deles, era o pai do meu melhor amigo. Todos eles trabalhavam para o Gatinho. Podíamos vê-los todos os dias chegando ou saindo do serviço com aquelas, na nossa visão, fantásticas máquinas de transportar. Eram nossos heróis e queríamos ser iguais a eles.
Logo, nada mais natural que nós também brincássemos disso. Procurávamos pedaços de madeira pequenos, ligeiramente compridos, e os transformávamos em ônibus. Desenhávamos, a caneta, todos os detalhes do original. Isso significa que até mesmo os focos e o bagageiro procuravam reproduzir o ônibus real - conhecíamos todos eles, afinal. Às vezes, usávamos giz de cera para pintá-los de amarelo. Éramos muito detalhistas.
Depois de prontos, procurávamos uma área com bastante terra e lá construíamos as estradas por onde andariam aqueles toscos ônibus de madeira. Havia, naturalmente, um terminal de passageiros, onde todos eles se concentravam. E a cada meio metro assinalávamos um ponto de ônibus, onde parávamos e os passageiros embarcavam. Deus é testemunha que, em todo esse tempo, jamais um passageiro reclamou do meu serviço.
Mas veio uma época em que as coisas começaram a mudar, o pai do meu amigo saiu do Gatinho, um dos outros motoristas se mudou e, o pior de tudo, a gente cresceu. Não sei que fim levaram aqueles ônibus de madeira - tínhamos tantos! Um para cada ônibus, e às vezes fazíamos uma nova versão, substituindo o antigo. Só sei que não pensei mais em ser motorista de ônibus e, aos poucos, fui sendo conduzido a esse tolo ofício de escrever.
Ser expulso de um ônibus
Se soubesse desse meu histórico, talvez a cobradora de um ônibus que peguei em Curitiba tivesse maior compaixão de mim. Por lá, a passagem custa R$ 1 aos domingos, mas não para todas as linhas. Eu não sabia disso até o dia em que precisei usar uma linha com preço mais caro. Achando que era R$ 1, entreguei o dinheiro e passei pela catraca.
Mas então a cobradora avisou que aquele não era o valor. Faltavam R$ 0,90, e eu não tinha mais nada no bolso! Como já havia passado pela catraca, não podia descer. "Te vira, não vou pagar pra você", ela dizia. Olhei para os outros passageiros, mas infelizmente não era um ônibus cristão, pois não houve viva alma que se dispusesse a me socorrer.
Quando a cobradora se deu conta que eu não ia conseguir o dinheiro, ela pediu que eu descesse no próximo ponto. Concordei. Desci e ainda fiquei um tempo parado lá, com cara de quem não sabe o que fazer. Quando o ônibus se afastou, caminhei normalmente para casa. Eu havia sido expulso exatamente no ponto em que iria descer.
Saudações!