Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Mas Copa do Mundo é Copa do Mundo – e vice-versa. Para melhor aproveitar esta edição que acontece justamente no Brasil, eu decidi colecionar o álbum de figurinhas. A última vez que eu fiz isso foi na Copa de 1998, quando eu ainda era criança e as figurinhas ainda não eram adesivas. Naquele tempo eu dependia do dinheiro do meu pai para comprar os envelopinhos. Agora eu já pago as minhas contas, o que significa que posso comprar quantos envelopinhos eu quiser. Mas ainda não estou no nível daquele garoto que gastou mil reais e completou o álbum em oito horas.
Até porque, isso tira toda a graça. O legal é você completar aos poucos e se encontrar com outros marmanjos para trocar as repetidas. Com a ajuda da Internet, esses encontros agora são cada vez mais concorridos. Eu mesmo participei de um no último final de semana, ocasião em que consegui a figurinha do Messi e resisti à tentação de colá-la de cabeça para baixo para dar azar. Ainda não completei nenhuma seleção, com exceção de Portugal, em que basta ter o Cristiano Ronaldo.
Nos últimos dias também saiu muita matéria sobre esse pessoal que coleciona figurinhas, normalmente acompanhadas de comentários raivosos de quem não participa da brincadeira. Para eles, colecionar figurinha é um sinal indefectível de que a pessoa não consegue pegar mulher. Quem acha divertido colar adesivos de homem é porque seguramente não conhece o que é sexo. Também há os que acham que esse dinheiro todo gasto em figurinha poderia contribuir para acabar com a fome no mundo. Há ainda os que acham que ninguém deveria se divertir com nada nesse país enquanto todos os problemas não forem devidamente resolvidos, e que as figurinhas são uma espécie de aval para toda a roubalheira pregressa e futura no Brasil e na Fifa.
Justamente por haver tanta coisa errada nessa Copa e por nos roubarem tanto é que eu não posso permitir que me tirem ainda essas: o prazer de vibrar com o futebol e o de colecionar figurinhas.
Praticamente a França
É inevitável, eu sempre estico o olho para enxergar o que as pessoas ao meu redor estão lendo. Há muitos livros de autoajuda e, sobretudo aqui em Brasília, muita literatura de concurso público. Mas hoje vi uma moça concentrada na leitura e, para minha surpresa, descobri que era Kafka. E ela não apenas lia como também sublinhava as partes mais importantes. Diante disso, a coisa mais natural a se fazer era me levantar, ir até ela e pedi-la em casamento. Teríamos a vida toda para discutir se Max Brod devia ou não ter queimado os escritos de Kafka.
Mas eu ainda hesitei um instante, e foi precisamente aí que entrou no ônibus um mulher que trazia consigo o “1984” do Orwell. Achei inacreditável. Ela se sentou e começou a ler também. Imaginei como seria envelhecer ao lado dela, ter como nossa briga mais comum a discussão sobre qual livro está mais próximo da realidade, o “1984” ou o “1985” do Burgess.