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Henrique Fendrich

rikerichgmail.com

Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)

Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF


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Se eu fosse ficar cego

Quarta, 30 de abril de 2014

Há uma menina inglesa de seis anos que está ficando cega. E não há o que fazer, pois não existe cura para a doença que está acabando com a sua visão. A cada visita ao oftalmologista ela está vendo menos. A menina sabe disso e resolveu fazer uma lista de coisas que quer ver antes de ficar cega. A primeira delas é uma viagem à Disney para conhecer as suas princesas favoritas. Ela também quer visitar o Palácio de Buckingham, o zoológico, a Austrália, assistir a uma partida de futebol e ir à praia. Tudo isso o mais breve possível, enquanto ela ainda consegue enxergar.

E eu pensei na lista que faria caso soubesse que os meus dias de visão estavam contados. Incluiria uma viagem à Europa, especialmente Viena, a Baviera e a República Tcheca, lugares que nunca conheci mas que repercutem forte no meu DNA e no meu coração. Desejaria conhecer as cidades históricas mineiras. A Amazônia, essa em que raramente um brasileiro põe os olhos, também estaria na lista. Só que tudo isso sairia muito caro, então é possível que eu me contentasse em ver uma última vez São Paulo, Curitiba e a Lapa paranaense. Mas também faria questão de ver o mar, de entrar e navegar por ele, de me admirar da sua imensidão. Gostaria ainda de viajar de avião e ficar na janela olhando aquelas cidades minúsculas lá embaixo, para que eu me lembre de como somos pequenos e sem importância.

Todos os dias eu sairia de casa às cinco da tarde, que é uma das horas mais bonitas do dia, e veria o sol enfraquecendo até se pôr. Passaria a noite olhando para a lua e as estrelas, tentando compreender coisas maiores e inalcançáveis. Quem sabe eu pedisse um telescópio. Acordaria às cinco da manhã, que é uma das horas mais bonitas do dia, só para ver o céu ganhando cor.

Quando não houvesse nada digno de nota para ver, eu leria, leria muito, leria tudo aquilo que ainda não tive oportunidade de ler. E passaria os meus últimos dias de visão em São Bento, onde nasci e conheço as ruas de olhos fechados.

 

 


Já falei outras vezes sobre Dona Lúcia, a senhorinha que me aluga um quarto na Asa Sul. Dia desses ela chegou em casa, bateu à minha porta e me passou uma sacola de mercado cheia de pãezinhos. “Eu me esqueci que já tinha comprado e acabei comprando de novo”, explicou. Aceitei, primeiro porque seria uma ofensa não aceitar, segundo que alguém precisava comer aqueles pãezinhos, e terceiro que fazia tempo que eu não comia aquele tipo de pão e eu estava com vontade.

Antes ainda ouvi a Dona Lúcia se lamentar por mais uma armadilha da sua memória. Desta vez foram apenas uns pãezinhos a mais, mas houve um dia em que ela esqueceu em cima do caixa eletrônico o dinheiro que havia acabado de sacar. Voltou para casa sem a maior parte do dinheiro que recebe como aposentada. Não sei como a história terminou, apenas que os dias seguintes foram de muita dor de cabeça para ela.

Ouço esses relatos como uma coisa bastante distante de mim, já que me considero uma pessoa de memória privilegiada – apesar de já ter esquecido duas vezes seguidas o celular dentro de um táxi. Além disso, estou distante da velhice – mas não se engane, Henrique, que um dia ela chega pra você também.



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