Promotor responsável pelo primeiro processo que julga o crime organizado em Santa Catarina, Flávio Duarte de Souza trata o atual momento da segurança no Estado com apreensão.
Os últimos cinco ataques a ônibus ocorridos no fim de semana em três cidades do Estado, somados ao que ele chama de forma "amadora" de o governo tratar organizações criminosas, evidenciam a preocupação do promotor.
Lotado em Blumenau, Souza pediu a condenação de 83 dos 98 suspeitos apontados no inquérito da Polícia Civil como responsáveis pelo envolvimento nos atentados de novembro de 2012 e fevereiro do ano passado. O promotor passou a trabalhar no caso logo após a prisão dos suspeitos.
Além de oferecer denúncia e atuar na acusação, também acompanhou a transferência de 40 detentos de alta periculosidade de Santa Catarina para Mossoró (RN). Hoje, segundo o Deap, 27 deles permanecem no Nordeste do país.
O processo tramita na 3ª Vara Criminal de Blumenau, coordenada pela juíza Jussara Schittler dos Santos Wandscheer. Desde 11 de março, o documento está pronto para a sentença. No entanto, a complexidade do processo o diferencia do restante dos casos que tramitam na Vara. Por isso, por mais que a maioria dos réus esteja preso — o que dá prioridade no julgamento — a decisão pode demorar para ser publicada.
Segundo o promotor, a sentença será dada em conjunto. Ou seja, a juíza avaliará a condição de cada um dos denunciados. A expectativa de Souza era de que até o fim do ano passado a sentença fosse publicada, o que não se confirmou.
Em entrevista ao Diário Catarinense, o promotor criticou a postura do Estado diante das ações do crimes organizado em Santa Catarina. Souza diz que falta ao governo comando no enfrentamento às organizações. Confira:
Diário Catarinense — Como o senhor está acompanhando as últimas ocorrências na segurança do Estado?
Flávio Duarte de Souza — Com apreensão. Extremamente preocupado.
DC — Por que?
Souza — O que se esperava desde aquela primeira onda de ataques, em novembro de 2012, era que o Estado efetivamente passasse a tratar o crime organizado como um problema de segurança. Estou falando de fora. O que se vê, é que o Estado continua atuando de forma amadora.
DC — Como o senhor esperava que o Estado atuasse?
Souza — Que o Estado passasse a ter um grupo nessa área. Que conhecesse o crime organizado. Crime organizado não é a mesma coisa que segurança pública. O cara que trabalha numa delegacia, trabalha num batalhão, não necessariamente sabe combater o crime organizado. É preciso que o Estado tenha um grupo específico, se não isso vai se repetir. Crime organizado é de extrema gravidade. Não se combate como se combate quadrilha de bandido.
Diário Catarinense — O senhor acredita que isso não está sendo feito?
Souza — Atua-se de maneira amadora. De nada diante ter boa vontade. Pode até ter boa vontade, mas só isso não adianta. É absolutamente impossível, por exemplo, enquanto não houver um efetivo de controle por alguém que tenha poder de comando. Sentar com Deap, Polícia Militar, Polícia Civil e definir o que tem que fazer. Essa cadeia de comando não existe. Cada um faz o que acha que deve fazer e não há centralização. Fica uma monte de gente trabalhando sem saber pra onde ir.
DC — O senhor foi ouvido em algum momento?
Souza — Nunca. Isso é mais uma mostra de que o Estado não tem política. Tenho convicção de que o Estado só tinha uma alternativa, que foi a que a gente deu. O Estado estava refém da sua incompetência.
DC — Que alternativa é essa?
Souza — A alternativa que Blumenau deu, de prender todo mundo (em fevereiro de 2013, logo após os atentados, a Justiça de Blumenau emitiu mandados de prisão contra os suspeitos de envolvimento nos ataques). Eles não teriam alternativa. A cadeia de comando que existe no PGC, falta no Estado.
Diário — E a sociedade?
Souza — A sociedade vai perder de novo. Não pense você que o crime organizado parou de funcionar em fevereiro (de 2013), quando todo mundo foi preso. Eles aprimoraram a forma de agir.
DC — Por que as forças de segurança não convergem?
Souza — Falta ordem de comando.
DC — Por que o senhor diz isso?
Souza — Minimamente, um cara inteligente consegue ver. Não digo que sou um cara esperto. Sei de gente no Estado que tem capacidade pra fazer isso (trabalhar com crime organizado). A PM e a Polícia Civil têm pessoal capacitado. Se você botar 11 caras e cada um fizer o que quiser, o time vai perder. Se tem um cara pra organizar, não tem isso.
DC — Mas a Deic criou uma equipe especificamente para isso.
Souza — O problema não é criar. O problema é que tem que se colocar na situação da sociedade. O que estão fazendo: "criamos uma comissão, diretoria". E o que isso me adianta e me garante alguma coisa? O primeiro ataque desses caras foi em novembro de 2012. Desde aquela época o crime organizado mostrou a cara. E o que o Estado fez pra isso? Volta e meia prendem um cara se dizendo do PGC. Existe um cadastro, um controle? Há uma ordem dizendo que doravante todas as pessoas presas que façam parte de uma organização vamos cadastrar? Não se sabe.
DC — A dificuldade de relação das polícias, que é histórica no Estado, também afeta?
Souza — Um dos dois fatores (do problema do Estado de lidar com o crime organizado) é esse. A outra é a falta de poder de comando. Se não tenho cadeia de comando, se tenho vontade, vou lá e converso com o cara. Vamos esquecer que não gosto de ti, mas tenho de fazer pros outros. E isso (falta de sintonia entre as polícias), quando você conversa com eles, é escandaloso. Sou promotor há 22 anos. E não se tem jeito de acabar isso. É uma gigantesca sacanagem que se faz com as pessoas. A população de modo geral acha que elas trabalham unidas. Elas se unem de vez e quando. E se unem quando é conveniente. No fundo, não se tem consciência do dever. Enquanto o funcionário público faz olhando pro seu umbigo, está tudo na merda. Se chega o governador e diz: ou é desse jeito ou delegado-geral, você está exonerado, ou é assim, ou comandante-geral, você está exonerado.