Henrique Fendrich (Crônica de São Bento)
Jornalista são-bentense residindo em Brasília/DF
Da farra do boi
A primeira reação que tenho diante da notícia de que Portugal está em dúvida sobre a participação de crianças em touradas é afirmar que estou em dúvida sobre a participação dos touros. Não vem esta minha ironia de nenhuma análise acurada do assunto, apenas da minha presunção pessoal de que não se consegue nada de muito exemplar para a humanidade em eventos como esses. Estendo a minha impressão para a farra do boi, praticada agora no tempo da Quaresma em algumas cidades do litoral de Santa Catarina. Mas, como ela continua tendo entusiastas, a despeito da proibição em lei, me dispus a ouvir o que eles pensam.
A princípio, defende-se a farra do boi como tradição - uma herança da cultura açoriana que, como tal, deve ser preservada. Para um número significativo de pessoas o argumento da tradição é suficiente. Há quem defenda que só pode falar sobre a farra quem dela tenha participado - as imagens na mídia são vistas como distorcidas ou manipuladas. Alguns reconhecem e lamentam atrocidades cometidas, mas esclarecem que o objetivo sempre foi brincar com o animal - provocar e sair correndo. Por isso defendem a regulamentação com normas e mecanismos de controle.
Muitos acusam os rodeios de não terem o mesmo tratamento porque, ao contrário da farra do boi, trazem benefícios econômicos ao Estado. O mesmo vale para a indústria da carne – geralmente aponta-se o dilema: matar para comer pode? Os mais irônicos falam em farra na legislação penal e farra na impunidade parlamentar. Bastante comum é a ideia de que a proibição veio de forasteiros – gaúchos – com culturas diversas. E todos concordam que não é na arbitrariedade de uma lei que acabarão com uma tradição.
De modo que grande parte dos argumentos se resume a sugerir que há outras coisas condenáveis. A farra do boi em si é justificada pela tradição e pela diversão. Na primeira abre-se mão de qualquer juízo moral para honrar os antepassados. Na segunda, muito provavelmente, não se contempla o boi.
Calor do cão
Provocou risadas a justificativa do vice-presidente da Colômbia para não assumir a embaixada do seu país em Brasília. Disse Angelino Garzon que o seu pastor alemão é muito peludo e o clima quente da capital do Brasil poderia fazer mal à sua saúde. À declaração seguiu-se um pedido de desculpas da ministra de Relações Exteriores da Colômbia, que classificou o incidente como “bastante constrangedor”, especialmente para quem quer ter uma boa relação com o Brasil. Entende a ministra que os motivos pessoais para se negar uma oportunidade como essa devem ser mais relevantes do que a saúde de um animal de estimação. É possível que tenha razão. Mas, da minha parte, concordo com o cachorro. Ou melhor, com o seu dono: em Brasília faz um calor de lascar.
A princípio, sou menos peludo do que um pastor alemão, mas nem por isso deixo de sofrer com o clima quente da cidade. Em grande parte isso se explica por ser eu um homem das neves. Eu até gosto de sol. Mas o sol ameno e pálido de uma manhã de outono. Não em Brasília, naturalmente. Por aqui o outono é o início da seca. Depois vem o inverno e, por estranho que pareça, seria aí que o cachorro mais sofreria com as altas temperaturas. É realmente um calor do cão.