“Quando tinha 14 anos, eu sonhei ter encontrado um menino recém-nascido na rua. Lembro que, no sonho, eu quis levar ele para casa, mas meu pai não deixou... Jamais pensei que nos meus 53 anos de idade, parte deste sonho se tornaria real”. A lembrança do sonho juvenil da cuidadora de idosos, Tusnelda Bublitz, ou Dona Nelda, como é carinhosamente chamada pela família, voltou à mente na tarde deste domingo, quando ela se reencontrou com a recém-nascida que ajudou a salvar, no sábado de manhã, em São Bento do Sul.
Pelo vidro da maternidade do Hospital e Maternidade Sagrada Família, ela pode rever a menina de 2,690 kg e 46,5 cm que encontrou, abandonada, ainda ensanguentada, enrolada em um lençol sujo e deixada com um objeto qualquer, dentro de uma sacola de papelão em um ponto de ônibus do bairro Vila Centenário. Emocionada, a mãe de quatro filhos não conteve as lágrimas ao olhar a menininha, agora limpa, alimentada e segura na incubadora.
A história destas duas meninas, “valentes”, como destacou a diretora do hospital, irmã Beatriz Zanatta, teve início ainda na madrugada de sábado, quando Tusnelda seguia para mais um dia de trabalho. “Acordei cedo no sábado, não queria chegar atrasada no serviço, era minha segunda semana na casa onde trabalho. Após sair de casa, por volta das 5h40, andei alguns metros e ouvi um choro, forte, guerreiro, olhei para um lado e vi apenas um terreno baldio, do outro lado da rua, alguns casas, todas fechadas, continuei andando e percebi que o choro ficava mais forte, foi então que localizei uma pequena sacola de papelão, em cima do banco de um ponto de ônibus”, lembra.
Uma pausa, mais um olhar afetuoso para a criança, do outro lado do vidro, Nelda dá um suspiro. Os olhos mais uma vez ficam cheios de lágrimas, mas ela continua: “Percebi que o barulho vinha de lá. Com desconfiança, olhei dentro do embrulho e para minha surpresa me deparei com este anjinho. Ela estava pelada, toda suja de sangue, envolta em um lençol sujo. Fiquei apavorada, tive medo de mexer, não sabia se a criança estava machucada...”, disse.
Sem saber como agir, ela ligou para a filha e o cunhado, mas eles não atenderam. “Foi então que telefonei para minha amiga Adriana. Ela acionou o Samu e em menos de dez minutos uma equipe fez o resgate da recém-nascida”, comenta.
Espera por socorro
O bebê foi encontrado em um ponto de ônibus da rua Alberto Torres, no bairro Centenário (foto - Djulia Djusten) Dez minutos à espera do socorro. No ponto de ônibus, apenas dona Nelda e o bebê que não parava de chorar. “Eu olhava a menininha e ela parecia me olhar também, pedir ajuda... ela chorava muito, era um choro que me dizia, ‘ei eu tô aqui, preciso de que alguém’, eu ali, sem poder fazer muita coisa, acompanhava cada gemido. Teve um momento que veio até um cachorro bem grande. Ele se aproximou, foi cheirar o embrulho e eu o espantei...”, lembra a cuidadora de idosos.
Não demorou muito e o socorro chegou. Tusnelda fez questão de acompanhar o bebê até o hospital. De lá, após ver que estava tudo bem, seguiu para o trabalho. “Não sei o que levou alguém a abandonar este anjinho no meio da rua, mas sei que foi Deus que me colocou no caminho dela para encontrá-la. Infelizmente, não posso ficar com ela, mas sei que alguém vai cuidar muito desta menininha. Sei que não posso nem dar um nome para ela, mas ficaria feliz se a chamassem de Luana, gosto muito deste nome”, diz Nelda, com a pequena em seus braços, ao se despedir.
Bem e saudável
Ao dar entrada na pediatria do Hospital e Maternidade Sagrada Família, a criança foi prontamente atendida pela equipe de plantão. Ontem à tarde, já tinha passado pelos principais exames. “Ela é saudável. Está ótima. Não tem nenhuma doença e deve ganhar alta em alguns dias. A menina, de cabelos negros e olhos azuis, nasceu de 38 semanas e meia”, informou a diretora do hospital.
Irmã Beatriz explica que quando a menina chegou ao hospital estava com princípio de hipotermia. “É certo que este bebê nasceu em casa, na madrugada, e estava abandonado há poucos instantes. Seria difícil sobreviver se demorasse muito mais a ser resgatada”, disse.
Encaminhada a adoção
irmã Beatriz (foto - Djulia Djusten) Assim que a recém-nascida chegou ao hospital, o Conselho Tutelar do município e a Polícia Civil foram alertados. De acordo com a diretora, quando receber alta, ela será encaminhada à adoção. “Existe uma grande lista de espera de pessoas que querem adotar um bebê. Esta criança fará a alegria de uma família”, comenta irmã Beatriz.
A religiosa acrescenta que são comuns os casos de mães que não querem, ou não podem, ficar com seus filhos. “Não é porque a mulher não quer ficar com a criança que ela precisa abandoná-la nas ruas. Se a mulher não quer ficar com a criança, ela pode vir ao hospital, fazer aqui o parto e na hora a criança já será encaminhada à adoção. É um processo simples e sigiloso, que garante a saúde da mãe e do bebê”, acrescenta.
Caso investigado pela PC
A Polícia Civil de São Bento do Sul abriu um inquérito para investigar o caso. Segundo o delegado Ricardo Casarrolli, a mãe que abandonou a criança pode responder por dois crimes. “Nestes casos há duas sanções penais para a mãe. A primeira, seria infanticídio; a segunda, abandono de incapaz. Ao que tudo indica, a mãe deixou a criança ali para que ela fosse encontrada, não me parece que a intenção desta mãe era matar a recém-nascida”, avalia o delegado.
O crime para abandono de incapaz, previsto na Lei 133, prevê pena de seis meses a três anos de prisão, que pode ser aumentada em um terço no caso de o acusado ser parente direto da criança. “Neste caso, a maior dificuldade é identificar a mãe. Mesmo assim, o caso segue, sendo investigado pela Delegacia da Mulher, Criança, Adolescente e Idoso”, finaliza Casarrolli.
Windson Prado / windsonprado.blogspot.com