Florianópolis - A tesourada de R$ 50 bilhões no orçamento, anunciada pelo governo federal na quarta-feira, não provocará grandes estragos em Santa Catarina. O setor privado aplaude a medida, já que o corte nos gastos de custeio — onde estão registradas as despesas com o funcionamento da máquina federal — é uma reivindicação antiga do empresariado.
Já o governo estadual sentirá o efeito da tesoura apenas nos repasses de recursos voluntários da União, destinado a despesas do dia a dia com convênios nas áreas de saúde, educação e segurança pública e de capital. O volume total destes recursos enviados a Santa Catarina no ano passado foi de R$ 65 milhões, 5,97% do R$ 1,088 bilhão investido pelo governo do Estado.
Segundo a Secretaria da Fazenda, os repasses da União referentes ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), à Lei Kandir e ao auxílio financeiro escaparão à tesoura.
Em janeiro de 2011, estas verbas somaram R$ 97 milhões, valor 40% maior do que no mesmo mês do ano passado. Para economistas, o gasto menor prometido por Dilma Rousseff sinaliza que as políticas fiscal (a maneira como o governo toca os seus gastos) e a monetária (política de juros) estão alinhadas no seu governo, o que não ocorreu na administração Lula.
Se o ajuste fiscal for cumprido à risca pelo governo e levar o superávit primário (pedaço da arrecadação utilizado para pagar os juros da dívida pública) a bater a meta de R$ 117,89 bilhões neste ano, o pacote deve evitar que o Banco Central faça um aumento adicional de um ponto percentual da taxa de juros básicos em 2011, apontam os analistas.
Explica-se: ao estimular a atividade econômica gastando sempre mais, o governo gera mais demanda, que, se for maior do que a oferta do mercado, pressiona os preços para cima. Para frear o consumo, o BC age elevando a taxa básica de juros, tornando mais caro obter crédito para compras.
— O gasto excessivo é responsável pela pressão inflacionária. Medidas para enxugar a estrutura administrativa são bem-vindas se os recursos forem canalizados para investimentos, com condições reduzir a taxa de juros — avalia o vice-presidente da Federação das Indústrias de SC (Fiesc), Glauco José Côrte.
Nem a notícia de que o Tesouro Nacional reduzirá os repasses para o BNDES, principal fonte de crédito para investimentos, desanimou a indústria.
— O BNDES já tem recursos suficientes para atender ao setor produtivo. O que ele precisa é selecionar melhor onde investir, estabelecer melhor as prioridades — diz Côrte.
Para o comércio, a tesourada é positiva. O presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL/SC), Sergio Medeiros, diz que a principal reclamação do setor era o inchaço da máquina pública.
— São cortes necessários. O governo tem que tratar o Estado como uma empresa. Quando a coisa não está boa, é melhor enxugar, não contratar e elevar a produtividade.
O comércio não teme que as medidas produzam um impacto negativo na ponta, isto é, na redução de consumo. Mas a FCDL já trabalha com projeções menores de crescimento nas vendas para 2011.
— Pode ser que o juro básico não suba muito e isso é bom — afirma Medeiros.
Para Alcides Leite, professor de economia da Trevisan Escola de Negócios, o anúncio é muito bem-vindo, uma vez que, somente com redução do crescimento dos gastos públicos correntes será possível aumentar o crescimento dos investimentos públicos. E eles atraem investimentos privados e elevam a taxa de investimento total do país.
— Com mais investimentos, é possível elevar a oferta de bens e serviços e reduzir o custo de produção e distribuição dos produtos. Assim, poderemos sustentar um crescimento contínuo do PIB em torno de 5% ao ano, sem gerar pressão inflacionária e, portanto, podendo reduzir a taxa de juros.
— Hoje, a taxa de investimentos no país está em torno de 20% do PIB. Para a economia crescer em torno de 5% ao ano por um período prolongado, é necessária uma taxa de investimentos da ordem de 25% do PIB. O único caminho possível para atingir a sustentabilidade do crescimento econômico começa com o ajuste fiscal — diz o professor.