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Sentimentos - Fernando Coimbra dos Santos

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"Se eu puder combater só um mal, que seja o da Indiferença".

 


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Igaibira Canoa Entre Dois Mundos Cap. XII ao Cap. XIII

Quarta, 11 de julho de 2018


 

(continuação)

 

XII

Anos de Chumbo. Como tudo começou?

A insatisfação de alguns setores da sociedade brasileira com o presidente João Goulart acabou levando ao golpe (leia-se intervenção) militar de 31 de Março de 1964, provocando sua deposição e exílio no Uruguai.

Assumiu interinamente a presidência o deputado Ranieri Mazzilli, enquanto o comando revolucionário decretava o AI-1, ou Ato Institucional nº 1, que conferia plenos poderes aos militares para qualquer alteração constitucional.

A seguir foi decretado o AI-2, que ampliava os poderes do presidente e extinguia os partidos políticos, restringindo-os a apenas dois, e estabelecia as eleições indiretas.

 

“SANGRENTA REVOLUÇÃO”

A Revolução de 64 surpreendeu e espantou o mundo. Não houve um único morto no golpe que culminou com a deposição do presidente João Goulart.

A bem da verdade, houve uma morte: um cardíaco entrou em óbito ao ouvir a notícia pelo rádio. Para duas gerações de brasileiros (anos 60 e 70), não dava para ser feliz enquanto houvesse uma ditadura militar, o que aconteceu de 1964 a 1985. Isso coibia os excessos.

Os presidentes eram generais escolhidos por uma junta de comandantes das Forças Armadas, não mais eram eleitos pelo povo. Dizia-se que as pessoas que criticassem o regime político ou as falhas dos governantes corriam o risco de serem presas e até mortas.

Mas a chamada ditadura militar não foi um regime em que os militares mandavam em todos os civis. Na realidade, as principais decisões do governo eram tomadas por militares e também por civis. A esmagadora maioria dos governadores dos estados, que também não eram eleitos pelo povo, dos ministros e seus assessores, era composta por civis: políticos que apoiaram o golpe militar, geralmente vindos da antiga UDN – União Democrática Nacional, e do PSD – Partido Social Democrático. E também industriais, fazendeiros e executivos de multinacionais.

Durante este período o governo não consultava a população nem  admitia críticas. Bem diferente dos dias atuais nos quais parece ter prevalecido o pensamento de Thomas Carlyle, historiador e ensaísta inglês (1795-1881): “O povo é uma velha comadre. Que murmure e resmungue”.

Mas, toda vez que uma decisão importante ia ser tomada na área econômica, os ministros procuravam ouvir os principais empresários. Enquanto isso as greves de trabalhadores estavam proibidas, assim como o direito de reuniões. Quem é que mandava e quem é que tinha que obedecer, então?

 

IMPLANTANDO O REGIME

O golpe foi comandado pelo general Humberto de Alencar Castello Branco, que se tornou o primeiro general presidente do país, governando de 1964 a 1967. Sua primeira providência foi livrar o governo de seus inimigos políticos.

Elaborou uma lista de personalidades que tiveram seus direitos políticos cassados. O número 1 da lista foi o líder comunista Luís Carlos Prestes. Outros nomes famosos foram João Goulart, Leonel Brizola e Juscelino Kubistchek.

Inúmeros deputados, senadores, juízes, funcionários públicos e militares perderam seus empregos e direitos porque não aceitaram o novo regime. Centenas de sindicatos foram invadidos. As ligas camponesas foram proibidas. Operários, camponeses, estudantes, jornalistas, professores e muitos outros foram presos por motivos políticos.

A UNE – União Nacional dos Estudantes, teve sua sede na praia do Flamengo (Rio de Janeiro) incendiada em 1 de Abril de 1964, não se sabendo até hoje exatamente por quem: se pelos órgãos de repressão ou pelos próprios estudantes interessados em criar uma motivação. Posteriormente foi extinta, com a prisão de todos os seus líderes em Ibiúna, SP. As universidades públicas demitiram professores com ideias de esquerda. A imprensa e manifestações ditas artísticas ficaram sob o controle da censura.

Não se admitia imoralidades e palavrões, os artistas reclamavam que a liberdade de expressão estava sendo coagida. Como nos dias atuais, em que tantos confundem liberdade com libertinagem.

 

CONSTITUIÇÃO DE 1967

A vida política do regime militar era baseada na Constituição de 1967, elaborada por homens ligados ao general Castello Branco e aprovados pelo Congresso. Mas um Congresso Nacional dito mutilado, porque os deputados e senadores mais combativos teriam sido cassados e expulsos pelos militares. (Hoje em dia basta apenas ter maioria na Câmara dos Deputados e Senado).

A Constituição de 1967 incorporou as medidas autoritárias tomadas desde os primeiros dias do golpe, os famosos Atos Institucionais. Estabeleceu, entre outras medidas, que o presidente da República, os governadores dos Estados e os prefeitos das capitais passavam a serem eleitos indiretamente.

Todos os partidos políticos foram extintos, só podiam existir a ARENA – Aliança Renovadora Nacional e o MDB – Movimento Democrático Nacional.

A ARENA era o partido que apoiava o governo. O MDB opunha-se a ele, mas só podia fazer uma oposição bem tímida, bem limitada pelas normas do regime. O povo fazia piada a respeito: “A ARENA é o partido do “sim”, o MDB é o partido o “sim senhor”.

Eleições... partido de oposição... como é que uma ditadura tem essas coisas? Pois os militares diziam que era exatamente por isso que o Brasil tinha um regime democrático. O que era, inclusive, reconhecido por outros países no exterior, dentre eles os Estados Unidos, justamente o país que se intitula Defensor da Democracia.

 

AS PASSEATAS

O governo militar queria evitar a personalização do poder, não queria que um nome ficasse em destaque. Os generais presidentes deveriam ficar no governo durante um prazo limitado.

Castello Branco, quatro anos depois, foi sucedido pelo general Artur da Costa e Silva, que governou de 1967 a 1969.

Foi exatamente no tempo de Costa e Silva que a oposição ocupou os pátios das fábricas e as ruas das grandes cidades para manifestar sua insatisfação. Apesar da proibição eclodiram greves em Osasco (SP) e Contagem (MG). A greve de Osasco saiu vitoriosa e os trabalhadores conseguiram aumento de salário. Em Contagem os operários foram obrigados a abandonar a maior fábrica da cidade com mãos na cabeça e olhos nos fuzis apontados elo Exército.

A UNE estava proibida, mas na prática continuava existindo. Nas grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, os estudantes organizavam passeatas de protesto cada vez maiores. No começo as passeatas juntavam apenas estudantes, aos poucos receberam adesão de pessoas que trabalhavam no centro da cidade.

Começou com poucas dezenas, chegou a dezenas de milhares. A população recebia panfletos, ouvia discursos, lia as faixas e os muros pichados. Tudo isso em plena ditadura. Muitas pessoas refletiam criticamente sobre o regime.

O governo ampliou a repressão. No centro do Rio a polícia invadiu o restaurante popular Calabouço e um estudante acabou morrendo. “Eles se defendem assassinando os  jovens, podia ser o seu filho” – diziam as faixas de protesto carregadas nas ruas. Outros protestos foram duramente reprimidos, e outras mortes aconteceram.

A maior de todas as manifestações contra o governo militar foi a Passeata dos Cem Mil, em 26 de Junho de 1968, que ocupou a avenida Rio Branco (uma das principais do Rio de Janeiro) e seguiu até a Praça da Cinelândia. Milhares de pessoas carregavam faixas com dizeres do tipo “Abaixo a ditadura”, “Só o povo armado derruba o regime” e muitas outras contundentes e ameaçadoras.

 

O AI-5

Diante da ameaça de luta armada que se evidenciava a reação do governo militar foi fechar o regime de vez. Na sexta-feira de 13 de Dezembro de 1968 o general Costa e Silva decretou o célebre Ato Institucional nº 5, o AI-5.

Através dele o governo militar passava a ter poderes totais para fechar o Congresso por tempo indeterminado, suspender direitos políticos, suspender garantias legais.

A partir daí tornou-se comum a invasão de casas sem autorização judicial. O preso político era levado a um local desconhecido e não podia se comunicar com a família nem com o advogado.

 

O SNI

Alguns historiadores chamaram o AI-5 de “o golpe dentro do golpe”. Diziam que, sem 64 o regime tornou-se uma ditadura, em 68 tornou-se uma ditadura mais rigorosa ainda. Nenhuma espécie de oposição – nem passeatas, nem muros pichados – seriam tolerados. Diziam também que as passeatas estudantis acabaram simplesmente porque ninguém estava disposto a ser baleado pela polícia.

Passou a imperar o medo. Todo mundo desconfiava de todo mundo, temendo que o colega pudesse ser um informante do SNI – Serviço Nacional de Informações. Criado por Castello Branco, era uma central de inteligência onde seus agentes vigiavam os opositores ao regime, podendo prendê-los a qualquer momento.

Depois do AI-5 não houve mais passeatas, o Congresso Nacional podia ser fechado a qualquer momento.

 

A LUTA ARMADA

Para muitos só havia um caminho: a luta armada, a guerrilha, que parecia uma fórmula quase mágica para levar a esquerda ao poder. Os primeiros grupos guerrilheiros de destaque começaram a surgir em 1968. O grande período da guerrilha aconteceu durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, de 1969 a 1974.

Diversos grupos surgiram e desapareceram, conforme a repressão se tornava mais eficiente. Não era só uma questão de subversão ao regime militar vigente, tornou-se também e principalmente uma questão de terrorismo.

O terror explodia bombas em locais movimentados vitimando e às vezes matando inocentes, realizava sequestros e assaltos a bancos, executava policiais, militares e simpatizantes que queriam deixar suas fileiras (desertar).

O DOI-CODI - Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Exército), CISA – Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica,  CENIMAR – Centro de Informações da Marinha e DOPS – Departamento de Ordem Política e Social (Polícia Civil), órgão de repressão que em São Paulo constituíram a OBAN – Operação Bandeirantes, registraram em seus arquivos: VPR – Vanguarda Popular Revolucionária, ALN – Aliança Libertadora Nacional, VAR-PALMARES – Vanguarda Revolucionária Palmares, MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro, COLINA – Comando de Libertação Nacional e alguns outros. Todos seguindo ideias do socialismo de Marx, Engels e Lenine.

Teoricamente o grande modelo era a Revolução Cubana, os grandes heróis eram Che Guevara e Fidel Castro, o primeiro ainda encontrável em camisetas de jovens de hoje, que não têm a mínima ideia de quem seja o retratado, ou seus ideais, ou sua sanguinária forma de ação.

 

QUEM ERAM OS GUERRILHEIROS?

Alguns eram velhos militantes do PCB – Partido Comunista Brasileiro, insatisfeitos com o chamado “reformismo”, o oposto do revolucionário. Era o caso de dirigentes como Carlos Marighella, Mário Alves, Jacob Gorender, Apolônio de Carvalho. Havia muitos militares, como o capitão Carlos Lamarca, desertor do Exército, talvez o mais famoso comandante guerrilheiro. Porém, a grande maioria era formada por idealistas e inexperientes estudantes secundaristas e universitários.

Os grupos de terrorismo manipulavam a boa-fé de muitos jovens, os chamados inocentes úteis. A maioria não tinha nenhuma experiência militar, alguns nunca tinham posto a mão num revólver. Do outro lado havia as forças da repressão, cada vez mais profissionais, treinadas e aprendendo com seus erros.

Assustados jovens com 17, 18 anos, ou pouco mais, entravam para a clandestinidade. Documento falso, revólver escondido sob os casacos, olhar assustado para qualquer pessoa na rua. Distantes da família, dos antigos amigos, com codinomes, pois nem seus companheiros deviam saber sua real identidade, pois se fossem presos nada poderiam revelar.

Muitos se exilaram quando o terrorismo começou a ficar insustentável. Muito artistas e intelectuais se auto exilaram gratuitamente, o que se tornou um modismo na época, a maneira mais rápida de ser divulgado na mídia e, consequentemente, se tornar mais conhecido.

Mulher alguma destacou-se como líder guerrilheira e/ou terrorista. Quanto muito eram esposas, amantes, companheiras ou parentes de alguns terroristas. Não participavam de ações armadas. Foram vigiadas, perseguidas e muitas vezes presas, pois através delas ficava mais fácil chegar ao verdadeiro objetivo: o terrorista.

 

EXCESSOS

Houve excessos de ambos os lados. Os terroristas quando começaram a explodir bombas em locais públicos, vitimando inocentes. Assaltos a bancos e sequestros eram realizados, quem tivesse o azar de cruzar o caminho do terror, ou estar no lugar errado na hora errada, era simplesmente assassinado.

Houve interrogatórios violentos (tortura, claro, nenhum terrorista respondia perguntas feitas de forma educada) do lado das forças de repressão, forçada por necessidades imperiosas de rapidez. Havia a necessidade de se saber o quanto antes onde era o aparelho, para que outros terroristas fossem presos, para que as vítimas fossem libertadas antes de serem mortas.

Dizer que não houve excessos por parte dos órgãos de repressão seria ingenuidade ou conveniência. Muitos terroristas falaram sem levar um tapa. Outros, consta que morreram sem dizer uma palavra.

A grande maioria dos militares não teve nenhum envolvimento com a tortura, que se restringiu, quando necessária aos órgãos de repressão específicos. Ambos os lados acreditavam no que faziam, se é que isso pode servir de consolo ou explicação.

Em 1979 foi decretada a Lei da Anistia pelo general presidente João Figueiredo, que governou de 1979 a 1985.

O terrorismo ainda continuou suas ações, casos das inúmeras cartas-bombas enviadas a autoridades e personalidades. E o do Riocentro (Centro de Convenções em Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro), quando dois militares se envolveram em uma explosão, o capitão Wilson Machado e o sargento especialista em explosivos Guilherme Pereira do Rosário, ambos do DOI-CODI do 1º Exército.

No local, em 30 de Abril de 1981, realizava-se um show em homenagem ao Dia do Trabalho. Uma bomba explodiu no automóvel Puma onde se encontravam os militares. A versão mais corrente sugere que os militares, que seriam da extrema direita, tencionavam explodir o artefato quando foram surpreendidos por um acidente e a inesperada explosão.

Outra possibilidade investigada é de que a bomba teria sido localizada pelo sargento, que impossibilitado de evacuar o local face a presença de milhares de pessoas presentes, tentou retirá-la do Riocentro, sendo vitimado pela explosão quando entrou no Puma e a colocou em seu colo, face a delicadeza do perigo iminente, que acabou acontecendo. Teve enterro de herói, o que ratifica esta possibilidade. Como diz o Zen Budismo: quem sabe não fala, quem fala não sabe.

Os militares que investigaram o caso não se pronunciaram a respeito, possivelmente por determinação superior que vigora até hoje e em todos os aspectos.

Constata-se facilmente que a chamada ditadura é condenada em prosa e verso, e não há uma única palavra de defesa do outro lado. Quem nem deveria haver, pois a Lei da Anistia, teoricamente, deveria valer para os dois lados, não só para o mais conveniente.

Mas, como público e notório em nosso país, parafraseando Lúcio Flávio Vilar Lírio, “nem sempre terrorista é terrorista e repressor é repressor”. Quem foi o certo ou o errado (ou o mais certo ou o menos errado), tudo depende de quem é o escrivão de plantão na delegacia da História.

O propósito desta ampla descritiva é apenas reconstituir parte de nossa história política, a partir de 1964, principalmente para as gerações mais novas que, na prática, nada sabem a respeito. Quando muito, o que lhes é parcialmente passado.

Principalmente da existência do terrorismo, herança da Revolução de 1964. E conferir a estranha aritmética enunciada por Caetano Veloso (um dos que se auto exilaram convenientemente em busca de promoção pessoal) e posta em prática todos os dias nesse nosso bucólico país tão pouco cartesiano: “tudo certo como dois e dois são cinco”.

Polícia e repressão se entrelaçam inevitavelmente, mesmo que, de início, pareçam até conflitantes nesta narrativa.

 

QUEM ERAM OS REPRESSORES?

Muito se fala até hoje, por desconhecimento ou conveniência, que a Polícia Política (DOPS) foi a grande responsável pela repressão dos terroristas e dos subversivos. Na realidade houve necessidade de se formar uma união de esforços, conhecimentos e experiências envolvendo todos os setores da Segurança Nacional e Forças Armadas: SNI, DOPS, CISA, CENIMAR e DOI-CODI. O policial que mais se destacou na área foi o delegado de Polícia Sérgio Fernando Paranhos Fleury, do DOPS paulista.

Nas operações conjuntas e prisões isoladas a Polícia atuou cada vez com maior eficiência. Na área de assaltos a bancos a Polícia inicialmente fracassou, especialmente porque naquele período grupos de esquerda, armados e bem organizados, passaram a atuar nesta área.

A implicação política nos assaltos a bancos foi descoberta acidentalmente quando foi constatado que dois assaltantes presos, Carlos Vina Pinin e João Anunciato, eram do Comando de Libertação Nacional (Colina), organização comunista ramificada em diversos Estados. Utilizando táticas de guerrilhas altamente especializadas, os terroristas não tinham dificuldades em executar ousados assaltos onde aconteceram muitas mortes de civis e inocentes, apenas para efeito moral e de intimidação. Tudo sob a alegação de “expropriação” de recursos a serem utilizados em suas ações e manutenção dos grupos.

Um segundo erro cometido na época, por total inexperiência dos órgãos de repressão, foi prender juntos, nas mesmas celas dos presídios cariocas e paulistas, terroristas e presos comuns. Estes últimos foram instruídos e organizados pelos primeiros, o que originou no Rio de Janeiro a facção criminosa CV (Comando Vermelho) e posteriormente, em São Paulo, o PCC (Primeiro Comando da Capital).

 

RELATO DO QUOTIDIANO

“Terror – A semana dos aparelhos estourados” (revista Fatos e Fotos, 1970)

“Na tarde de 17 de Dezembro de 1969, a patrulha do então sargento da Polícia Militar Joel Nunes, na zona bancária do subúrbio carioca, seguia normalmente. De repente um alarme: fora assaltada a agencia do Banco Sotto Maior, em Brás de Pina.

Os bandidos em fuga colidiram com um veículo na estrada de Vicente de Carvalho. O encontro durou poucos segundos para o PM Joel, uma bala o atingiu na cabeça. Dez dias depois, promovido post-mortem a subtenente, Joel era sepultado no Cemitério de Nova Iguaçu, sob homenagem de todas as unidades da PM, representadas por um batalhão de choque.

Na caçada que se seguiu, que recebeu ajuda da Secretaria da Segurança, um dos terroristas foi apanhado: o estudante Paulo Sérgio Paranhos, o “Vitor”, que deu o serviço facilmente. Os policiais garantem que a sua resposta foi pronta no interrogatório: “Eu conto tudo”.

Em menos de uma semana autoridades do DOPS e do Exército estouraram nove aparelhos (casa ou apartamento onde se escondiam os terroristas, armas e materiais subversivos: livros, panfletos, etc), cinco dos quais importantes focos do terrorismo político: um no bairro do Lins, três em Copacabana e um em Ipanema. Conforme informações oficiais, o autor do disparo contra Joel foi um terrorista fugitivo da Penitenciária Lemos de Brito, Avelino Bioni Capitani.

Surgiu da caçada uma semana incomum para a repressão ao terrorismo.

 

O ESTOURO

Aquela rua tranquila do Lins foi subitamente sacudida por um tiroteio cerrado. Um soldado da Polícia do Exército, Elias dos Santos, ao penetrar pelos fundos do aparelho na rua Baronesa de Uruguaiana, 70, apto 101, foi surpreendido por um tiro, em meio à fumaça intensa das bombas de efeito moral atiradas para dentro do apartamento térreo alugado por Carmem Cinira Leite de Castro Schueler.

O autor do disparo que matou Elias seria o ex-sargento Antônio de Paula Prestes, hoje com o rosto transformado por uma operação plástica.

Ele participou da Revolta dos Sargentos, em Brasília, e também é um dos fugitivos da Penitenciária Lemos de Brito. A caçada ao ex-sargento e a Carmem Schueler, espécie de espiã da subversão infiltrada na Delegacia de Roubos e Furtos da Guanabara (ex-Distrito federal, Atual cidade do Rio de Janeiro) atinge uma dimensão nacional).

 

MUDANÇA DE TÁTICA

Somando todas as informações – de Paulo Sérgio Paranhos, o “Vitor”, do policial Orlando da Silva Correia, de um elemento “suíço de bigodes grandes e cabeleira” preso há pouco e cuja identidade está sendo rigorosamente oculta – e aperfeiçoando os seus métodos de repressão, desde o sequestro do embaixador norte-americano Elbrick, as Forças Armadas e a Polícia conseguiam uma grande lista de nomes, inclusive de militares cassados envolvidos nos esquemas terroristas. Por questões de segurança, mantém-se o maior sigilo em torno desses nomes.

Também os meios bancários estão sendo intensamente investigados, pois a Polícia e o Exército admitem que “nenhum assalto a bancos está sendo feito sem a supervisão de um elemento em cada agência assaltada”. Enquanto isso a mulher de “Vitor”, Francisca Abigair Paranhos, está sumida. Ela é estagiária de Direito na 1ª Vara Criminal e pesa-lhe a responsabilidade de haver levado para um aparelho da rua Joaquim Nabuco parte do dinheiro roubado no assalto ao Banco Sotto Maior, na agencia de Brás de Pina.

Informações recentes, durante dez dias de repressão, garantem que o Exército descobriu que há pelo menos dois aparelhos em cada bairro do Rio de Janeiro, desde a Gávea até Cordovil e se ampliando até Campo dos Afonsos (onde há uma base militar da Aeronáutica).

Teoricamente, Exército e Polícia sabem muito sobre os planos do terror. O problema, ao que parece, é localizar objetivamente suas verdadeiras áreas de ação.

Exército e Polícia, que em menos de uma semana estouraram nove aparelhos, cujas localizações foram as mais variadas – pequenos apartamentos em grandes centros, casas em subúrbios longínquos e até em bairros de luxo – não desconhecem que os cérebros da cúpula do terror não têm mais de duas opções. Ou partem para a ação intensa dos grupos armados (explodindo bombas, sequestrando, assassinando autoridades, policiais e militares, fazendo sabotagem), ou desenvolvem uma segunda ação: voltam às ruas para discursos, passeatas e comícios em locais de grande concentração popular.

 

QUEM DÁ AS ORDENS?

O Exército, principalmente, sabe que as cúpulas do terror estão recebendo o planejamento de militares cassados pela Revolução. Homens experientes, conhecedores de estratégias e várias técnicas de ação e combate. Mas nunca por Carlos Lamarca ou pelo ex-sargento Antônio Prestes de Paula, “apenas dois homens de coragem e bons atiradores”. O cérebro do terror estaria em nível superior a Lamarca e Antônio Prestes.

Uma descoberta de tal importância não foi estabelecida no vácuo: enorme lista de nomes contendo os principais cabeças do movimento estaria em poder do Serviço Secreto do 1º Exército e é mantida debaixo do maior sigilo. Essa, a estratégia exata para interceptar novas movimentações do terrorismo político.”

 

XIII

No final dos anos sessenta, grupos de militantes partidários da insurreição armada começaram a se organizar para se opor pelas armas ao governo militar. Seus ideais e linha de ação embasadas no mais puro terrorismo  não eram olhados com simpatia pela população.

Com poucos integrantes, não tinham efetivo suficiente para manter resistência ou guerrilha armada contra as forças armadas ou policiais.

Passaram então a planejar e executar ações limitadas e isoladas por eles chamadas de expropriação de recursos, como roubos a bancos, roubo de armas, roubo de veículos e sequestros. Começaram, também, a detonar artefatos explosivos nas portas de quartéis. Sequestros de diplomatas estrangeiros foram por eles efetivados com sucesso, pois praticamente inexistia segurança a serviço desses funcionários.

Um deles, talvez o que teve maior repercussão, foi o do embaixador americano Charles Elbrick em Setembro de 1969, sequestrado por membros das organizações de extrema-esquerda Dissidência Comunista da Guanabara (o MR-8), em homenagem a um grupo guerrilheiro niteroiense homônimo, cuja erradicação pela repressão militar fora anunciada como um grande triunfo na imprensa, poucos meses antes.

Nesta ação tiveram apoio do grupo terrorista Ação Libertadora Nacional (ALN). Quinze presos políticos foram trocados pelo embaixador.

O mentor supremo do sequestro foi o guerrilheiro Carlos Marighella.

Muito se disse e se diz até hoje contra a Repressão, apresentando-se os terroristas convenientemente como vítimas exclusivas do regime militar dito ditatorial. No entanto, a realidade crua é retratada pelo que se segue, uma das inúmeras ações armadas do terrorismo.

O primeiro parágrafo da carta dos terroristas dirigida ao governo  – lida em cadeia nacional de rádio e televisão – retrata por si próprio o que eles faziam, e como faziam:

“Grupos revolucionários detiveram hoje o sr. Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos, levando-o para algum lugar do país, onde o mantêm preso. Este ato não é um episódio isolado. Ele se soma aos inúmeros atos revolucionários já levados a cabo: assaltos a bancos, nos quais se arrecadam fundos para a revolução, tomando de volta o que os banqueiros tomam do povo e de seus empregados; ocupação de quartéis e delegacias, onde se conseguem armas e munições para a luta pela derrubada da ditadura; invasões de presídios, quando se libertam revolucionários, para devolvê-los à luta do povo; explosões de prédios que simbolizam a opressão; e o justiçamento de carrascos e torturadores.”

Como estes grupos chamados de subversivos ou terroristas pelo governo tinham poucos recursos de pessoal e operacionais, realizavam esporádicas ações armadas limitadas e de pequeno significado revolucionário, simples assaltos em agências bancárias em que acabavam ferindo ou matando populares que eram meros transeuntes no local.

Sem o apoio popular que engrossasse o número de militantes do que chamavam guerrilha, ou os auxiliasse materialmente, a severa repressão exercida pelos militares e policiais acabaram por esvazia-la até a completa extinção, na primeira metade dos anos setenta.

As consequências das suas ações, entretanto, perpetuaram-se nas centenas de vítimas inocentes mortas ou gravemente feridas em todo o país.

Como a Repressão não poderia deixar que o sucesso desta operação motivasse ou encorajasse outras, tornou-se imperioso dar uma resposta à altura, tornaram-se mais intensas as operações contra o terrorismo.

Dia: 7 de Novembro de 1969. Local: Alameda Casa Branca, São Paulo.

Agentes do DOPS haviam recebido informações que o guerrilheiro e chefe da ALN estaria no local. Quarenta e nove policiais foram destacados para prender o terrorista, entre os quais a jovem investigadora de 22 anos, Estela Borges Morato.

A realidade, a despeito da conveniente história da carochinha contada: sozinho e confiante, Carlos Marighella caminhou para o Volkswagem onde acabou morrendo.  Acabara de cometer o erro que lhe seria fatal.

A armadilha policial era eficiente e estava funcionando, deixando claro que vinte e três prisões anteriores feitas em São Paulo e no Rio de Janeiro não haviam chegado ao conhecimento do líder terrorista, entre os quais dois freis e dois jornalistas.

Terroristas mais inexpressivos em São Paulo sabiam das prisões e estavam alertas, o que não acontecia com Marighella, que não sabia o que acontecia e caminhava para o Volks. Portava uma pasta de executivo.

Então a encenação policial terminou. De um dos carros saltou o delegado Fleury dando voz de prisão ao guerrilheiro. Policiais disfarçados de operários deixaram os materiais de construção e mostraram suas armas.

Marighella correu, o ex-Frei Ivo, sentado à direção, abriu-lhe a porta direita e o tiroteio começou. Ivo saiu pela porta esquerda, braços levantados, os homens da segurança de Marighela fugiram, sempre atirando, enquanto Carlos Marighela resistia à voz de prisão e abria a pasta, consta que tentando pegar uma granada.

Em muito pouco tempo tudo estava acabado. Dois mortos: Marighella e um protético que nada tinha com o terrorismo, passava no local errado na hora errada. O delegado Rubens Tucunduva, ferido com um tiro na perna. A investigadora Estela ferida com um tiro na cabeça, faleceria alguns dias depois.

Hoje poucos sabem quem foi Carlos Marighella. Praticamente ninguém sabe quem foi Estela Borges Morato, a primeira mulher brasileira e paulista a ser vitimada no trabalho policial contra o terror.

Cento e dezessete vítimas do terrorismo foram posteriormente listadas ao longo dos chamados anos de Chumbo.

(continua)

 

 

Leia:

 

Igaibira Canoa Entre Dois Mundos Cap. I ao Cap. II

 

Igaibira Canoa Entre Dois Mundos Cap. III ao Cap. V

 

Igaibira Canoa Entre Dois Mundos Cap. VI ao Cap. VII 

 

Igaibira Canoa Entre Dois Mundos Cap. VIII ao Cap. IV 

 

Igaibira Canoa Entre Dois Mundos Cap. X ao Cap. XI

 

 

 

 

 

 



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