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Sentimentos - Fernando Coimbra dos Santos

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"Se eu puder combater só um mal, que seja o da Indiferença".

 


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Noites de Estrelas Cap. XIII ao Final



(Final)

XIII

Agora, novamente deitado em seu tubo de concreto, sentia-se desfalecer lentamente, como se uma fraqueza inexplicável lhe tomasse conta do corpo e da alma.

Pouco a pouco intuiu que desta vez o que sentia era diferente. Alguma coisa, desta vez, estava errada, muito errada.

Mas nem aquilo lhe fazia diferença.

Parecia que um fundo precipício estava crescendo dentro de si e tomando conta irreversivelmente de todo o seu ser. Adentrou a dura realidade de que, caso as coisas continuassem a evoluir daquele jeito, ele seria em breve engolido pela escuridão. Uma escuridão sem as estrelas de sua vida.

Sentiu um aperto esquisito no peito. Era uma fisgada que lembrava uma tristeza pungente, mas muito mais profunda, muito mais dolorosa.

Estremeceu, como se tivesse percebido subitamente que todos os seus sonhos iriam finalmente morrer com ele, e então tudo pareceu desmoronar mais uma vez, como se isso ainda fosse possível.

Um vazio faminto havia se apoderado dele e lhe sugava inapelavelmente as poucas forças.

Aprendera a entender – e pior, a aceitar – as coisas que a vida que escolhera lhe trazia sem o consultar.

Olhou o céu estrelado que, apesar de seus olhos enevoados, se apresentava muito claro e brilhante. Chegava a ser irônico que, no meio de tantas estrelas, não tivesse uma só para si. E como a procurara em sua vida...

Cruzou os braços magros e fracos sobre o peito, como se abraçasse outra vez a si mesmo, como se entesourasse outra vez suas lembranças mais preciosas e que, por isso mesmo, eram as que mais lhe doíam.

Como num desvario momentâneo, muito rápido, viu-se moço outra vez, viu a mulher maravilhosa com quem se casara e não merecera, viu o filho lindo que erguera nos braços e perdera.

Com um sorriso que superou o próprio brilho das estrelas, pensou na filha que só agora conhecera. E da pergunta que tivera vontade de fazer e que calara, diante de seus cabelos loiros e olhos azuis que tendiam para o esverdeado:

- Menina, de onde você veio? Do mar ou do céu?

Ao que, talvez (sempre o talvez), ela tivesse respondido:

- Dos dois.

Pensou em mais uma coisa que gostaria de ter dito à filha, uma súplica, e que também não pudera fazer:

- Se tiveres que me esquecer, por favor, só uma coisa: esquece-me bem devagarinho.

Por um momento o brilho das estrelas se desvaneceu, quase apagou, mas depois elas retornaram mais vívidas e nítidas ainda. Será que chegara, enfim, o momento de dizer adeus?

E, se tivesse, a quem?

“Adeus” é a mesma coisa que “A Deus”, como bem expressou Caio Fernando de Abreu: não é uma despedida, é entregar nas mãos de Deus aquilo que não podemos mais cuidar.

Mas sem esquecê-la.

E pagando o alto preço por isso.

Teófilo tivera que aprender com a vida: estava pagando sua penitência, o preço de ter fraquejado, por não ter aguentado o tranco. Tivera seus erros e fracassos, e agora tinha que pagar.

É a única forma – reconhecera – do Senhor o aceitar como filho em seu reino. Não é questão de esperança, mas de pagamento. Se é que ainda fosse digno disso.

Tinha que pagar por tudo o que fizera. E, também (ou principalmente) pelo que deixara de fazer. Ou não conseguira. Porque nessa terra tudo se paga, o que se leva – talvez – para o julgamento superior, é um pouco ainda mais sério.

Reconhecera. Ou se consolara com isso, quem o saberia saber?

Achou, então, que jamais entenderia algumas coisas da vida. Talvez não devessem, mesmo, ser entendidas. Às vezes, um punhado de dor é a única coisa que pode nos afastar de um desastre total.

Mesmo que este punhado de dor não tivesse sido bem dosado, durara uma vida inteira, a sua vida inteira.

É uma pena que não se possa aceitar o inaceitável.

Inaceitável?

O fato lhe ocorreu, pleno, irreversível. Ao longo de toda sua vida, não havia conseguido cumprir suas promessas, por mais que tentasse.

Agora, bem no finzinho (e como poderia ser diferente?) estava descumprindo mais uma: não iria embora, como prometera ao vigia.

Aliás, iria. Mas não da maneira certa, não da maneira correta como teria que ser. Não só não iria, como deixaria para trás uma carcaça inservível que teria que ser removida por estranhos. Mais trabalho para os outros.

Mais uma vez pressionou com os braços fracos o peito frágil como se abraçasse a si mesmo, como se entesourasse suas lembranças mais preciosas, as que mais lhe doíam.

Vê suas estrelas cintilantes por uma derradeira vez que parecem esmaecer aos poucos.

Ouve-se um último suspiro pleno de alívio e ansiedade, tudo se torna definitivamente silencioso em sua vida.

Perder a vida não é o pior que pode acontecer a uma pessoa. Pior, muito pior, é perder a razão de viver. E ele a havia perdido.

Parecia tão leve e tão absurdamente em paz que era difícil aceitar que ele não estivesse apenas dormindo. Mesmo que fosse um sono do qual nunca mais acordaria.

Como aprendera, sempre há estrelas no céu.

Há estrelas durante a luz do dia, há estrelas também por trás das nuvens, não conseguir enxerga-las não diminui o fato de que elas estão lá.

Mas, afinal, quem foi mesmo que disse que viver é uma coisa fácil?

A vida é dura, mas talvez não impossível.

Às vezes você conta uma história triste, as pessoas acabam olhando para você muito atentamente, bem nos seus olhos, procurando transmitir de alguma forma sua solidariedade. Quando, na verdade, o que fazem é espreitar sua alma, tentando ver as marcas e manchas que ficaram nela.

Quantas histórias ganham vida a partir de um sonho? Mesmo sonhos que depois se tornam pesadelos?

Poderia ter sido?

É, poderia ter sido.

Afinal, é próprio do ser humano viver de esperança.

Ou morrer, por falta dela.

FIM

 

Dedicatória

Dedico esta história a Rafael Castellar das Neves, pois a profundidade e dor que encontrei em seu livro “Diário de um Zé-Ninguém” me motivaram a escrevê-la.

Algumas frases de minha história são dele (nós dois o sabemos, não é mesmo?), mas foram inevitáveis em algumas de minhas passagens.

Que esta minha confissão leve muitos a ler e a se comover com seu livro, disponível gratuitamente na internet:

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