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Sentimentos - Fernando Coimbra dos Santos

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"Se eu puder combater só um mal, que seja o da Indiferença".

 


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CAMINHANDO NA PONTE DO LUAR


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Encontrei-a coincidentemente no dentista. Enquanto aguardávamos nossa vez, ficamos conversando.

Bonita, simpática, mas deixara de sorrir quando a aposentadoria precoce levou não só o trabalho mas também a pessoa que amava. A pessoa que ela pensava que a amava.

Num primeiro momento quase não a reconheci, tal a tristeza e desencanto que lhe toldavam o rosto bonito.

Sentei-me a seu lado. Desde que nos conhecemos um elo de carinho se formara entre nós, segurei-lhe as mãos, que começaram a tremer.

- Ei, moça – tentei brincar – que alegria é essa?

- Alegria?... – perguntou com amargura.

Olhei-a com suavidade.

- Desculpe. Posso ajudar em alguma coisa?

Aos poucos começou a falar. Suas mãos continuavam inexplicavelmente nas minhas, uma doce ponte de ligação se formou entre nós, suas simples palavras polidas iniciais aos poucos começaram a se tornar sinceras, sofridas, confidentes, necessárias.

Baixou o rosto bonito sem coragem de me olhar quando algumas lágrimas chegaram a seus olhos e embargaram sua voz. Contou-me o que sentia, no que sua vida havia se transformado, sua solidão, descrédito, desalento, desamparo...

De súbito pareceu se tornar desafiadora, como se desafiasse a si mesma, como se desafiasse a vida, como se quisesse convencer pincipalmente a si própria que as coisas doravante seriam diferentes.

- Agora só quero as coisas boas da vida – declarou.

O dentista me chamou, tive que pedir desculpas e ir.

Quando saí do consultório, meia hora depois, ela continuava imersa em sua tristeza e solidão, afigurando-se pequenininha em seus sentimentos que a sufocavam.

Levantou-se, chegara sua vez. Parou um instante a meu lado, deu-me um inesperado abraço e agradeceu por tê-la ouvido.

-Vá – disse-lhe com doçura. – Eu a estarei esperando quando voltar.

Por um rápido momento ela me olhou surpresa, e um brilho de esperança e incredulidade pareceram brilhar em seus olhos castanhos.

- Não precisa, não vale a pena... – murmurou.

- Isso sou eu quem decide, moça, estarei esperando – me posicionei, firme e irredutível.

Também cerca de meia hora depois ela saiu do consultório. Procurou disfarçar, mas seus olhos ansiosos a traíram, sorriu quando me viu.

- Então você me esperou mesmo...

Enganchei delicadamente meu braço no dela e fomos para a porta.

- Não disse que ia fazer isso?

- Mas... por que?

- E tem que haver motivo para tudo, tem? O que vai fazer agora? – retorqui.

- Não sei... Vou para casa, não tenho nada melhor para fazer...

- Então está sem compromissos... Quer jantar comigo? Ou o dente está doendo demais?

Um profundo suspiro me transmitiu que o que mais lhe doía era o coração, não o dente.

- Não... aceito.

- Obaaaaa... – brinquei, e ela me concedeu um sorriso, nos concedeu um lindo sorriso a ambos.

Parei por um momento, lembrando-me de um detalhe crucial.

- Só que estou sem carro...

Ela riu mais uma vez. Colocou a mão no bolso do casaco e me estendeu um chaveiro.

- Agora não está mais...

Olhei-a numa mistura de brincadeira e seriedade.

- Já lhe disseram alguma vez que você é demais?

- E já lhe disseram alguma vez que você é um mentiroso descarado sem vergonha nenhuma? – respondeu, brincalhona.

- Ih, agora me ofendeu, sou um homem de palavra e sincero. Não lhe disse que ia esperá-la? Não a esperei?

- ‘tá bom, ‘tá bom... onde vamos?

- Onde gostaria de jantar?

- Qualquer lugar, fica a seu critério. Importante para mim, agora, é sua companhia.

- Bajuladora...

Ela teve que rir, esquecida por uns momentos de sua tristeza, de sua vida, e aquilo me fez um bem enorme.

- O restaurante da estrada em Campo Alegre tem um lombo incomparável. Só tem um problema, um outro problema...

Ela me olhou, temerosa que eu houvesse mudado de ideia ou sei lá o que.

- O que foi?

Balancei a chave em minha mão.

- É que não sei qual é o seu carro e nem onde ele está.

- Seu bobo... bem à nossa frente.

- Suspeitei desde o início... – disse-lhe sorrindo, abrindo a porta para ela.

Um doce encantamento inexplicavelmente começara a se formar entre nós. Mas, como eu lhe dissera: “- E tem que haver motivo para tudo, tem?”.

Ao menos por algumas horas, por algum tempo, eu estava decidido a fazê-la sorrir, a fazê-la feliz, solidário, nem mesmo sabendo porquê ao certo. Talvez eu o precisasse por nós dois, para nós dois.

Não era só por ela ser uma mulher bonita, de repente eu me deparara e me encontrara no reflexo de seus olhos, em sua tristeza, em sua solidão e desalento.

- O roto amparando o remendado – murmurei.

- Heim?

- Nada, só estava pensando alto...

Rumamos para nosso destino. Foi um percurso rápido, coisa de quinze minutos. Conversamos amenidades no trajeto, o restaurante estava vazio.

- Viu só? Estavam à nossa espera – brinquei. – Um restaurante inteirinho só para nós.

Ela me olhou, divertida, aparentemente esquecida de sua tristeza.

- Você é sempre bobo assim ou ficou assim por minha causa?

- Mas como é pretenciosa... - procurei dar um tom escandalizado à minha voz, e ela riu outra vez.

O jantar teve o dom de afastar nossa solidão e os assuntos e sentimentos tristes. Conversamos, brincamos, rimos, mas chegou a hora de ir embora, uma sombra toldou seu rosto bonito quando pedi a conta e ela constatou que os momentos de sonho (se podiam serem chamados assim) estavam no fim.

Uma lua linda surgira na noite fria.

- Vamos até o mirante da serra? – convidei.

Seu sorriso de contentamento superou o brilho da lua cheia, os momentos de sonho iriam durar mais um tempinho. Por algum tempo não haveria solidão e nem um depois. Para nós dois.

- Não tem nenhum compromisso? – perguntou. – Não se prenda por minha causa...

- Ah, não é sacrifício algum... Se você for lá em casa, verá que no armarinho do banheiro só há uma escova de dentes.

Ela teve que rir.

- Você é sempre tão romântico assim? Quero dizer, tem sempre esta capacidade de dizer coisas românticas assim desta maneira tão indireta?

- Não brinque comigo, moça... Olhe só, hoje é nossa noite de sorte, o mirante está vazio, temos ele também só para nós...

Ajudei-a a sair do carro. Na noite fria a lua matizava tudo de dourado indistinto. A mata escura se estendia até onde a vista conseguia alcançar.

- Lindo... – ela murmurou, meus braços sobre seus ombros numa doce proximidade.

- Lindo não, linda... – aparteei.

- A lua? Realmente...

- A lua não, sua boba. Você. Quer dizer, a lua também... mas você é mais, muito mais...

Ela se virou para mim e me abraçou com força, como se eu fosse uma tábua de salvação que a impediria de se afogar num mar de amarguras.

Olhou-me bem nos olhos, os dela brilhantes sob o luar, talvez de esperança, de vontade de sonhar.

- Não brinque comigo... – sua voz era suplicante.

- E quem disse que estou brincando?

Olhei-a com ternura, nossos olhos se aproximavam lentamente, cada vez mais, mais, mas foram nossos lábios que se encontraram num beijo cálido pleno de ternura e gritos silenciosos de “por favor não me deixe, preciso de você”.

A luz do luar, num doce encantamento, embalou nossos sentimentos que explodiram num abraço apertado, num beijo apaixonado cheio de encontros, afastando nossa solidão que até então nos afligia e aniquilava.

- Eu... – ela começou.

Abracei-a mais fortemente ainda, meu rosto apoiado carinhosamente no dela.

- Não, não diga nada... – supliquei – apenas me abrace e me beije...

- Vamos embora... me leve para casa – pediu tão baixinho que mal a ouvi.

Uma sensação horrível, tenebrosa, apertou meu coração. Será que o infeliz aqui sonhou acordado mais uma vez? – pensei desconsoladamente.

- Perdoe-me... o que fiz de errado? – implorei.

Ela silenciou por alguns momentos. E me abraçou ainda mais fortemente.

- Tenho medo de sonhar... eu não suportaria...

- Não tenha medo – assegurei-lhe. – Eu também preciso sonhar. Quer me ajudar a fazer isso, moça?

***

 

 



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