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Sentimentos - Fernando Coimbra dos Santos

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"Se eu puder combater só um mal, que seja o da Indiferença".

 


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ROMANTISMO, ENCANTAMENTO, DESPEDIDA, SAUDADE...

Quinta, 15 de fevereiro de 2018

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Retornava para São Paulo quando o motor começou a falhar.

Dirigia por uma estradinha rural de Santa Catarina, asfaltada, mas secundária, e nem tinha ideia do quanto estaria da cidade mais próxima.

Era um final de tarde duma sexta-feira, a noite estava chegando e não consegui descobrir o que havia de errado.

Cerca de uns quinhentos metros à frente havia um chalezinho de madeira rústica, da chaminé saía um filete de fumaça, pensei de imediato num café quente que poderia estar sobre o fogão de lenha.

Aos trancos e barrancos consegui chegar até a porteira. Bati palmas, mas a casa estava fechada e a uns cinquenta metros da estradinha, não fui ouvido.

Torcendo para que não houvesse cachorros, caminhei até lá.

Uma bonita loira de seus trinta e poucos anos me atendeu, uma típica colona local. Expliquei o imprevisto com o carro e perguntei se havia um telefone que eu pudesse usar (celular não pegava ali).

Falei com a empresa que me alugara o carro, mas só poderiam me mandar outro na segunda-feira.

O chalezinho fazia parte do programa catarinense de turismo rural. Diante de um inesperado final de semana de descanso, indaguei se ela tinha um quartinho onde eu pudesse ficar.

Rowena (assim se chamava, pronuncia-se “rovêna”) disse que aluguéis de quartos não faziam parte do programa, mas que ela iria abrir uma exceção, o movimento estava zerado e precisava de dinheiro. O marido era caminhoneiro e estava fora há quase três meses, sem previsão de volta. No momento andava lá pelo Nordeste.

Combinamos o valor, paguei, e fui me acomodar no sótão, um quartinho que ela tinha ali. Simples, mas limpinho e aconchegante como são as casas catarinenses.

Uma inesperada e bem vinda lareira crepitava em meu quarto, tomei um banho quente enquanto ela preparava o jantar.

Conversamos bastante durante a refeição que compartilhamos, Rowena era agradável e simpática, por empatia senti a carência e solidão em que ela vivia por força de circunstâncias.

O cansaço me venceu, pedi licença e fui para meu quarto. Logo em seguida uma batida na porta e ela, pedindo licença para entrar, trazia-me mais um bom copo do vinho tinto caseiro que fabricava.

Agradeci e ela se foi. Coloquei o pijama e comecei a tomar o vinho. O calor da lareira, combinado com o excelente vinho, tornou-se mais perceptível. Em pouco tempo emergi num sono sem sonhos que precisava tanto.

Acordei cedo no sábado ouvindo um machado cortar lenha lá fora. Pelo vidro embaçado pelo calor vi que Rowena iniciava a rotina de sua vida dura. Sozinha, tinha que fazer tudo e mais um pouco.

Desci para o frio da manhã, cumprimentamo-nos cordialmente. Eu não sabia cortar lenha, mas sabia como carrega-la, ela protestou:

- Não precisa, estou acostumada a fazer isto.

- Por favor... faço questão – encerrei o assunto.

O café da manhã estava delicioso. Conversamos enquanto o tomávamos, ela pediu que eu falasse um pouco sobre minha vida na cidade grande.

Disse-lhe que era um caipira de Taubaté, mas que sempre vivera na cidade, e que, de certa forma, sentia falta de alguma coisa que não sabia ao certo o que era, uma saudade indefinida e estranha de uma vida mais simples que nunca tivera e nem conhecera.

Rowena me convidou para conhecer um pouco de seu sítio. Demos milho para as galinhas e patos, mostrou-me a horta, o pomar, e então fomos para o estábulo, eu carregando um balde de milho para os cavalos.

Haviam dois animais ali, um casal de cavalos grandes e fortes. Para meu horror, o cavalo estava cobrindo a égua.

Fiquei paralisado, atônito, sem saber o que fazer ou dizer diante daquela situação totalmente inesperada.

Rowena continuou a agir normalmente. Para ela, em sua vida rural, aquilo era corriqueiro e normalíssimo, pareceu nem se perceber do que acontecera. Mas percebeu minha reação e riu.

- Não se preocupe com isso, faz parte da vida rural. É bastante normal por aqui...

- Desculpe, nem sei o que dizer... Nunca havia visto isto antes... Assim, sem um carinho nem nada... mesmo sendo animais...

- Não se preocupe – repetiu – é assim mesmo, é da Natureza.

No entanto, pensou por um momento e murmurou, mais como se falasse consigo mesma:

- Igualzinho a meu marido...

Foi a minha vez de sorrir para descontrair a situação.

- Não entendi... – murmurei.

Rowena riu.

- Grossura. Grossura no sentido de insensibilidade.

Achei melhor mudar de assunto. Ela então me convidou para ir à cidadezinha próxima comprar mantimentos e outras coisas. Disse que lá também havia um mecânico, mas não me interessei, eu realmente queria passar aquele final de semana no sítio.

Fomos às compras e depois a convidei para almoçar num restaurantezinho. Num gesto cavalheiresco para mim normal e até inconsciente, puxei a cadeira para que ela sentasse. Antes havia aberto a porta de seu carro para ela, ela quedou surpresa, nunca ninguém antes lhe havia feito aquilo. Durante o almoço lhe passava os pratos, enchia seu copo de cerveja, coisas assim.

Percebi que ela começou a me olhar de maneira diferente, mais próxima, diante daquele comportamento masculino para com ela que ela desconhecia.

Foi um dia maravilhoso. Sempre rindo e conversando, Rowena teve a delicadeza de ser uma anfitriã perfeita, mostrou-me um pouco da região.

Mas a vida no campo tem suas exigências e obrigações inadiáveis, os animais tinham que ser novamente alimentados e recolhidos. Ajudei prazerosamente no que pude, ela foi preparar o jantar, fui tomar meu banho.

Enquanto a esperava, fui até o alpendre do chalezinho. Olhei a lua tímida em meio ao nevoeiro da noite muito clara, sinal que iria esfriar ainda mais. Colhi uma flor que achei bonita e retornei, Rowena me aguardava.

Dei-lhe a flor com um involuntário gesto de galanteza.

- Para você. Perdoe-me tê-la colhido sem a consultar.

Ela me olhou calada e surpresa. Então a pegou e protegeu contra seu coração, como se resguardasse das maldades da vida alguma coisa que lhe era muito preciosa.

- Nunca ganhei uma flor em minha vida... – murmurou, encantada e comovida.

Fiquei penalizado. Dela e de todas as mulheres principalmente sulistas que sempre estiveram e estarão nesta infeliz situação.

- Pois você merece ganha-las sempre.

Rowena se apressou em colocá-la em uma jarrinha com água, queria preservá-la o que desse.

- Sabe – disse-lhe eu, sem uma razão aparente – as palavras são estranhas... Dizer a mesma coisa em línguas diferentes têm sentimentos diferentes, transmitem intensidades diferentes.

- Às vezes não o entendo, moço da cidade grande...

- Caipira de Taubaté – corrigi com outro sorriso. – Mas o que quis dizer (nem sei por que) foi o seguinte: façamos de conta que você é minha namorada, e quero lhe dar esta flor. Diria, em alemão: “für sie, liebe”.  Diria, em português: “para você, amor”. Ou, em inglês: “to you, my love”. Ou, em francês: “pour toi, mon amour”. Mas, em italiano...: “per te, amore”... Viu como em italiano tem muito mais sentimento, soa muito mais bonito?

Ela me olhou, pasma.

- Moço da cidade grande, caipira de Taubaté, nunca conheci alguém como você... Você existe mesmo ou estou sonhando sem o saber?

Ri-me diante daquele desfecho.

- Bobagens minhas, nem sei porque... Mas vamos jantar que a comida está esfriando.

Mais uma vez puxei-lhe a cadeira para que ela se acomodasse à mesa, passei-lhe as travessas, abri e servi o vinho, fui um cavalheiro de verdade, minha índole costumeira.

Depois, para sua total surpresa e descrédito, ajudei-a a tirar a mesa e até enxuguei a louça que ela lavava.

Perguntou se eu queria ver um pouco de televisão, agradeci, mas não, não queria estragar “minha vida de sítio”, e minha vida de sítio não tinha televisão, televisão era coisa de cidade grande.

Disse-lhe boa noite, num impulso dei-lhe um suave e rápido beijo no rosto, agradeci o dia maravilhoso que ela me proporcionara. Ela ficou na cozinha, estática, o copo de vinho esquecido entre as mãos.

Fui para meu quarto, a lenha na lareira crepitava baixinho e iluminava um pouco, deixando o sótão numa penumbra acolhedora, matizando tudo de dourado, o dourado que deveria ser a vida de todos nós.

Nem acendi a luz. Fiquei com preguiça de vestir o pijama, no quarto quente tirei toda minha roupa e entrei debaixo do edredon.

Estava quase dormindo quando ela bateu na porta e a entreabriu.

- Posso entrar? – perguntou.

- Claro, moça – puxei o edredon até o pescoço.

Rowena entrou e fechou a porta às costas. Trazia uma bandeja com uma garrafa de vinho, mas com uma diferença: haviam dois copos.

- Podemos tomar juntos um último copo de vinho, moço da cidade grande, caipira de Taubaté? – perguntou suavemente, brejeira.

Tive que rir de sua colocação repetitiva.

- Fico honrado com isso, mein frau (minha senhora)... Desculpe não poder me levantar, mas é que eu não esperava visitas, não estou adequadamente vestido.

Ela viu meu pijama dobrado sobre a maleta e pareceu entender o alcance do que eu lhe dissera, pois sorriu com cumplicidade.

Colocou a bandeja sobre o criado mudo, encheu os dois copos e me entregou um.

- Prosit (brinde)– murmurou.

- Prosit, liebe kind (queridinha) – retribuí com sinceridade, sentindo-me estranhamente feliz.

Batemos os copos e cada um tomou um gole para alicerçar a sinceridade de nossos votos. Ficamos degustando lentamente seu excelente vinho caseiro, conversando sobre o lindo dia que tivéramos juntos.

- E a sua florzinha, como vai? – perguntei, então.

Rowena me olhou e havia ternura em seu olhar.

- Linda. Foi a primeira que ganhei em minha vida.

- Que seja a primeira de muitas – desejei sinceramente.

Ela continuou a me fitar e silenciou.

- O que está achando da vida no sítio. Muito parada?

- Ah, não sou só um moço da cidade grande, sou também o caipira de Taubaté, lembra-se? Estou adorando. Nunca fiquei tão feliz com um defeito no carro. Acredita em destino?

- Não sei mais... sempre achei que as coisas são como tem que ser... azar o nosso...

Fiquei sem ter o que dizer. Ela então me olhou firme e perguntou:

- O que sentiu quando viu os cavalos hoje cedo?

Pensei por alguns momentos antes de responder.

- Não sei bem... foi a primeira vez que vi isso acontecer, achei muito frio, muito insensível, muito mecânico.

- Pelo que entendi, para você tem que ter carinho.

- Tem. E muito. Senão realmente não valerá a pena. Você também sabe disso, não é mesmo? – perguntei delicadamente, atenuando a grosseria da pergunta.

- É... como lhe disse, aquele cavalo é igual a meu marido.

- Grosso – murmurei novamente, com um sorriso.

- Um verdadeiro cavalo. Sempre me senti tão usada...

Olhei para ela, penalizado com sua sinceridade. Rowena, depois de alguns momentos, fitou-me como se avaliasse minha alma e coração, e disse:

- Pensei que os homens fossem todos iguais, mas você é diferente.

Ergui um pouco o edredon, oferecendo-lhe um lugar a meu lado. E com voz cheia de ternura, disse-lhe com toda a suavidade de que fui capaz:

- Venha cá, moça do sítio encantado...

Ela colocou o copo sobre o criado mudo e depois de um segundo de indecisão tirou a camisola e deitou-se em meu ombro, aconchegada a mim.

Nossos  lábios se encontraram num beijo apaixonado. Ela afagou meu rosto, e com voz chorosa:

- Perdoe minhas mãos tão ásperas...

Aquilo me doeu fundo. Ergui-me um pouco, afaguei seu rosto por minha vez, acariciei e beijei suas mãos e lhe disse ternamente:

- São as mãos de uma guerreira da vida, você vai expressar todo o seu carinho através delas...

E nos amamos docemente por todo aquele fim de semana, eu feliz por realizar e fazer feliz aquela mulher maravilhosa que se descobrira e se revelara tão ser humano, tão mulher, nunca mais aquele trapo descartável sem valor algum que a haviam feito pensar que era.

Na segunda-feira logo cedo um guincho me trouxe outro carro e levou o enguiçado, a contragosto eu tinha que seguir o meu caminho, e não sabia como e nem queria fazê-lo, mas tinha que ir.

Uma lágrima brilhava em seus olhos quando ela me abraçou e beijou naquela despedida que se revelou tão sofrida, tão desesperada, tão...

Dei-lhe o número do celular.

- Ligue-me sempre que quiser ou precisar – pedi.

- Você vai voltar um dia? – perguntou baixinho, segurando outra vez aquele papelzinho de encontro ao coração como se fosse um outro tesouro inestimável.

- Vou, com certeza, eu preciso e quero voltar.

- De verdade?

- De verdade.

Um soluço estremeceu seus lábios e a lágrima escorreu por sua face.

- De verdade mesmo, meu moço da cidade grande?

- De verdade. Verdade verdadeira de seu caipira de Taubaté, minha moça do sítio encantado...

Entrei no carro, dei partida sentindo os olhos enevoados, e sai lentamente, deixando para trás aquele sítio onde encontrara aquela mulher maravilhosa e um inesperado final de semana pleno de romantismo, encantamento, despedida, saudade...

Minha última visão dela foi ela parada ao lado da porteira me acenando um derradeiro adeus. Pálida, sofrida, olhando-me com dor e desespero, como se estivesse diante de uma vitrine de loja onde houvesse alguma coisa maravilhosa com a qual só pudesse sonhar.

Em meu coração quebrado e pequenininho eu sentia e sabia que em algumas noites o luar formaria um caminho sobre a noite, ligando a cidade ao céu estrelado, como se pudéssemos caminhar sobre ele. Aonde nos levaria? Aonde quiséssemos, era o que eu gostava de pensar. Aonde iríamos? Não sabia. Mas, fosse onde fosse, eu gostaria que Rowena estivesse comigo.

Parei na cidadezinha onde estivéramos juntos, procurei e encontrei uma floricultura.

- Poderiam fazer uma entrega para dona Rowena, no sítio do quilômetro cinco?

- Sim, o que quer mandar?

Escolhi um grande buque de rosas vermelhas e brancas e depois de pensar bastante até encontrar as palavras apropriadas e exatas escrevi num cartão: “Para a mulher maravilhosa que engrandeceu meu mundo de homem solitário. De hoje em diante, onde eu estiver, minha mão estará sempre esperando ansiosa e pacientemente pela sua”, assinando  MdCG, CdT, sabendo que só ela saberia o significado eterno daquelas abreviaturas nossas, só nossas.

E forcei-me a seguir em frente, meu mundo um pouco mais triste.

***



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