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Preservação do patrimônio histórico: uma discussão necessária

Sexta, 04 de agosto de 2017

Marília Crispi de Moraes*

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 A questão da lei de padronização arquitetônica do centro histórico de São Bento do Sul teve o mérito de acender a discussão em torno da necessidade de se pensar numa legislação municipal de tombamento. Por outro lado, a proposta do vereador Edi Salomon, aprovada sem muito alarde em 2016, também nos instiga a refletir com mais cuidado acerca da diversidade cultural, principal patrimônio a ser preservado neste país.

Por mais que as intenções do vereador tenham sido boas - e por conhecer o notório interesse do Edi pela história sei que foram – toda tentativa de padronização cultural é, em essência, nociva à sociedade e só faz incentivar a falta de tolerância às diferenças. Obrigar proprietários a seguirem determinado estilo arquitetônico, imposto de cima para baixo, é o mesmo que impedir pessoas de se vestirem a seu gosto ou de lerem determinadas obras. A cultura, tal como a história, não é estática. Está sempre em transformação.

Há poucos dias li o original do livro de um jovem escritor a ser lançado em breve. Baseado em relatos de pessoas idosas de sua família, ele narra o sofrimento por que passaram os imigrantes alemães na época da Campanha de Nacionalização de Getúlio Vargas. Proibidos de falar seu idioma, perseguidos pela polícia, discriminados, muitos desses imigrantes jamais se recuperaram dos traumas sofridos.

Se os imigrantes germânicos tivessem colocado em prática uma lei de padronização arquitetônica restritiva, semelhante a esta que agora se discute, muitas marcas históricas que hoje são diferenciais na paisagem são-bentense não existiriam, a exemplo do prédio do centro de informações turísticas, na Praça Getúlio Vargas, que tem estilo português.

Não se pode confundir preservação histórica com padronização estética. Padronizar é justamente impedir a espontaneidade e dinamismo do processo histórico. Do modo como está, a dita lei é um ato oficial de discriminação, pois eleva à posição de modelo algumas etnias (alemã, polonesa, italiana e portuguesa), enquanto exclui todas as demais.

Na audiência pública realizada em julho, houve quem defendesse a padronização porque os estilos propostos são mais “belos” que outros. Ora, desde a Grécia Antiga a discussão sobre o “belo” permeia a filosofia sem que se chegue a uma definição absoluta. Trata-se, pois, de argumento deveras subjetivo para justificar uma imposição legal.

Durante alguns anos estive à frente da Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural da Fundação Cultural de São Bento do Sul. Acompanhei de perto a angústia de alguns proprietários de imóveis tombados que não possuíam recursos financeiros para realizar as devidas manutenções, mas sempre reconheciam a importância de suas casas para a história de São Bento do Sul.

Lembro das muitas idas e vindas a Florianópolis para conseguir aprovação da Fundação Catarinense de Cultura para algumas restaurações; dos infindáveis projetos que se sucederam até a obtenção de recursos para restaurar a Estação de Serra Alta.  Sei que até mesmo o município tem imóveis históricos que necessitam de restauro urgente, mas, por se tratarem de obras muito caras, dependem de captação de recursos. Compreendo bem todas essas dificuldades, mas tais obstáculos não podem nos abater. É preciso incentivar e criar mecanismos - legais e financeiros – que garantam a preservação do patrimônio histórico, tanto material quanto imaterial. Por isso uma lei municipal de tombamento é urgente e bem mais eficaz nessa tarefa em vez de padronizar estilos.

Nossa cidade teve o privilégio de ter parte de seu patrimônio protegido por processos estaduais e nacionais de tombamento, o que foi suficiente por algum tempo. A preocupação dos são-bentenses demonstra que já é hora de o município também providenciar seus próprios meios de proteção.

Terry Eagleton, um dos expoentes dos Estudos Culturais, afirma que as culturas são porosas, de margens imprecisas, indeterminadas, intrinsecamente inconsistentes, nunca inteiramente idênticas a si mesmas, “seus limites transformando-se continuamente em horizontes”. Prender a história ou a cultura a amarras é estreitar nossos horizontes e disso ninguém precisa.

Marília Crispi de Moraes

*Professora e Jornalista / Doutora em Ciências da Linguagem



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