Cléverson Israel Minikovsky (Pensando e Repensado)
Advogado
Filósofo
Jornalista (DRT 3792/SC)
Nietzsche disse que para saber se um sujeito é filósofo lhe deveriam ser tirados todos os pertences, todos os títulos, todo o conforto material, todas as amizades, inclusive o afeto das pessoas que o rodeiam. Se perseverasse em seu ponto filosófico de vista sem cambalear seria então aprovado como filósofo e tudo lhe seria restituído e então seria saudado nas praças públicas como o intelectual que sempre foi. Porque quando o homem tem vitória financeira, calca-se na vitória financeira. Se tem pouco dinheiro, mas tem afeto, calca-se no afeto. Mas do filósofo se exige algo mais: dele tudo tem de ter tirado ao mesmo tempo. O afeto é algo que desde a pessoa mais simples até o mais bem sucedido empresário gosta de receber. A desvantagem do empresário é que dele muitas pessoas dependem e lhe são tecidos elogios por interesse e não por honestidade. Mas o filósofo não dá emprego a ninguém. Ele é um ser sozinho no mundo. E como é triste a solidão. É por isso que no Talmude se pode ler que “o estudo do Talmude deve ser feito em dupla porque do solitário se aproxima o anjo da morte”. Eu li e assim o endosso. Maior desafio ainda é renunciar àquilo que nunca se teve e sempre se almejou ter tido. Ao famélico não se lhe impõe outra coisa senão extenuante jejum mesmo estando ele diante de longarina de manjares. A maneira de contornar a falta de afeto e dando-o a quem tem menos que você. É fácil distribuir afeto a pessoas belas e simpáticas. Mas o filósofo tem de ser afetuoso com o feio, com o miserável, com o repugnante, com todos aqueles que jamais poderão lhe retribuir. O afeto deve ser dado ao ranzinza, ao carrancudo, ao casca-grossa, àquele que é preterido pela maioria. Quanto mais rejeição social tem uma pessoa, mais o filósofo lhe deve dar afeto. Porque o filósofo está na contramão. Ele na sua riqueza tira água límpida e pura de poços secos. Da loucura o filósofo é a sanidade, é a esperança sem fim da desesperança total, o amor de um mundo onde o caráter é o apego ao dinheiro. No mundo do ter onde tudo é medido em vantagens ou desvantagens, o filósofo preconiza o mundo do ser. O ser não é fazedor de cálculos. Ele não quer ser cheio, ele transborda de si, porque mais do que cheio sempre está, aconteça o que acontecer. Isto nos distingue como adultos: amar aos filhos ainda que no seu próprio ponto de vista não tenha sido suficientemente amado pelos pais. O filósofo mais dá do que recebe. Incomparavelmente dá mais do que recebe. Ele mais ama do que é amado. O mundo espezinha o filósofo porque ele está de costas para o mundo. Aliás, se falam pelas costas do filósofo eu não posso fazer melhor dedução lógica senão a de que ele está sempre à frente. Afeto? Mais do que o afeto do Cristo que se esvaziou na cruz por mim não preciso. O amor foi mais que suficiente, mais que completo, mais que perfeito. Quando Cristo diz “o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” não estava se referindo a um travesseiro ou a um teto. O foco não eram as condições materiais. Porque no domingo de ramos teve cavalgadura sem nunca ter se preocupado com montaria, na quinta-feira de endoenças teve uma copa para a ceia sem nunca ter edificado e foi sepultado entre os ricos sem nunca preocupar-se com o destino do seu corpo morto. E se precisasse de pão simplesmente os multiplicaria. Não ter onde reclinar a cabeça é não ter afeto. Nenhuma outra leitura é melhor do que esta.